Tentei sonhar, faço esforço para sonhar. Não sonho. Às vezes, procuro inventar um sonho, mas não consigo. Nem um sonho falso consigo, um fake. Alguma coisa aconteceu que fez murchar a árvore dos sonhos.
Jung disse que a gente sonha toda noite, algumas vezes se lembra e muitas outras não. O sonho fica no inconsciente. Creio que é isso que está acontecendo comigo. Eu imagino o que quero sonhar, tento administrar esse desejo e não chego a nenhum resultado. Recorro às músicas que a gente gostava, aquelas que serviam para dançar e aquelas que ela cantava para mim, mas nada adianta e amanheço com os fones chiando no ouvido e o celular apagado.
Às vezes, olho para nossos retratos, fotos em diversos lugares, nós dois juntos, às vezes abraçados, beijando, outras vezes lado a lado, fazendo pose. Ela, de vermelho. Meus Deus, como o vermelho ficava bonito no corpo dela!
Contemplo nossos sorrisos, relembro a felicidade daquele momento e peço para que ela saia da foto e venha me abraçar e me tocar, mesmo de leve, mesmo por um segundo. A foto não é sonho. É recordação, lembrança de um momento feliz que quisemos perpetuar. A foto recorda, mas não me toca, ela lembra um momento, mas não fala, e eu sinto falta de sua voz, de suas carícias.
Hoje acredito que sonho foi a vida que vivi, foi o tempo que junto passamos no enlevo do amor. Agora tudo se foi e compreendo que vivi um sonho brincando de realidade e me pergunto por que parei de sonhar. Tudo era um sonho, pois tudo era bom, tudo concorria para o bem e nossas almas estavam entrelaçadas numa colcha de retalhos construída a cada dia. Agora sinto a realidade e ela maltrata e é maltrapilha.
A vida é como o riacho que escorre entre as pedras da montanha. Lá no alto, há uma pedra presa a outra pedra, olhando a corredeira de água, deslizando, ouvindo com alegria o marulhar da água cantando uma canção de vida.
Todo dia, estas pedras observavam que o sol da manhã abria os ninhos para os passarinhos empinarem o peito e soltar o canto de agradecimento pelo novo dia e as flores tremeluziam suas cores assopradas pela brisa da manhã. Durante o dia, muitos pássaros pousavam nelas recuperando-se de um voo ou descansando para levantar asas. Suas garras fininhas faziam cócegas em seus corpos, sem nunca deixar um arranhão. À tarde, quando o céu se vestia de cores para expulsar o dia e acolher a noite, os pássaros voltavam em bando ruidoso e as flores esmaeciam as cores e, lá no alto, miríades de luzinhas pisca piscavam como se fossem sinais Morse galácticos. Enquanto todos dormiam, as pedras ficavam acordadas, contando as estrelas e sonhando com uma viagem espacial na amplidão do céu, brincando com as nuvens e contando estrelas, sentindo nos corpos o vento frio que vem da floresta e saboreando o perfume das flores perdidas na amplidão. Às vezes fechavam os olhos e ficavam quietinhas para que o silêncio das almas desse mais emoção.
Um dia, uma pedra rolou, escapuliu pela corredeira levada pela água clara e foi recebida pelo poço que espelhava o azul do céu.
A pedra que ficou sozinha não mais se alegrou com a visita dos pássaros e ficou surda à melodia das águas; o céu não tinha mais esplendor e os dias ficaram inúteis. Um grande vazio ficou em seu coração, um vazio em forma de Deus, um espaço que só poderá ser preenchido pelo próprio Deus,
Eu sou a pedra que ficou.