Existem muitas teorias sobre os motivos que levaram Dona Luzia Rennó Moreira, conhecida como Sinhá Moreira, a criar a primeira escola de eletrônica da América Latina, sétima do mundo em seu segmento. Enquanto algumas pessoas teorizam que a motivação da precursora do “Vale da Eletrônica” foi uma palestra que teria assistido com Albert Einstein quando esteve nos Estados Unidos, outros afirmam que era o seu desejo casar as moças que acabavam solteiras, quando os rapazes deixavam Santa Rita do Sapucaí em busca de estudos e de melhores empregos. Para desmistificar estas teorias e procurar entender quais foram os reais motivos que a levaram a fundar a instituição de ensino mais inovadora do país no século XX, tivemos acesso a um documento redigido pela ETE, enquanto a sua criadora ainda era viva.
Como surgiu a ideia
Em um tempo em que a tecnologia engatinhava, não só no Brasil, como no mundo, um panfleto publicado pela Escola Técnica de Eletrônica “Francisco Moreira da Costa” em 1959 (ano de sua fundação) já falava sobre o surgimento de computadores super velozes, capazes de solucionar equações complexas com rapidez surpreendente. Para apresentar ao país aquela ciência que estava mais próxima da ficção do que da realidade, o texto explicava ao leitor que havia três níveis de especialização na área tecnológica: a engenharia, os cursos técnicos e o nível operacional, formado por operários da indústria.
Ao apresentar os motivos que levaram Dona Sinhá Moreira a criar a ETE FMC, o informativo destacou que já existiam cursos voltados à capacitação de operários, que a engenharia já era ensinada em escolas criadas pelos ministérios militares, mas que ainda não havia instituições que oferecessem cursos técnicos voltados, exclusivamente, ao ensino da eletrônica no país.
Chamada, naquele momento, de Escola Industrial, o documento destacava que – há muitos anos – Sinhá Moreira já auxiliava os estudantes com bolsas de estudo que, naquela altura, somavam cento e cinquenta. Através de um “contrato estudantil”, a benfeitora emprestava a quantia necessária para que os alunos pudessem realizar o curso superior, devolvendo o montante quando estivessem empregados. Naquele momento, o país ainda não dispunha de créditos educativos ou financiamentos. Dona Sinhá, no entanto, já observava que quase a totalidade dos alunos não chegava ao terceiro grau e muitos deles não conseguiam aplicar os conhecimentos obtidos no ginásio e no científico (atual ensino médio), em suas vidas profissionais. Daí a motivação de criar uma escola de nível técnico que também fornecesse o diploma de segundo grau.
A alternativa era criar um curso que, ao final de quatro anos, desse aos alunos acesso à faculdade, mas que também proporcionasse um diploma de nível técnico, através de uma modalidade altamente promissora. Naquela altura, o Ministério da Educação já havia detectado, através de estudos e estatísticas, que dos 800 mil alunos que ingressavam no secundário, menos de 10% tinham acesso ao ensino superior. Estes números confirmavam que a mesma tendência observada por Dona Sinhá, em relação aos alunos que assistia, também se refletia em toda a estrutura educacional brasileira.
A grande sacada de Luzia Rennó Moreira, naquele instante, foi perceber que os alunos que ingressavam no ensino secundário e que não teriam acesso às faculdades poderiam integrar um grupo profissional capaz de ajudar a impulsionar a industrialização do país. Através desse posicionamento, não seria difícil fazer com que o empreendimento fosse apoiado pelo governo federal, além de obter suporte e participação de instituições científicas e indústrias. Este foi o segredo do sucesso para a criação da ETE FMC.

Por que ela criou uma escola de eletrônica?
Antes de optar pelo ensino da eletrônica, Sinhá Moreira e o professor Fernandes Neto, contratado para organizar a instituição em Santa Rita do Sapucaí, visitaram diversas escolas industriais. Ao conhecerem o Liceu Eduardo Prado, em São Paulo, notaram que o ensino da Química Industrial dispunha de dois ramos promissores para o impulsionamento da industrialização no país: plásticos e petróleo. Mesmo apoiados pelo Ministério da Educação para seguirem nesta direção, mudaram de ideia quando estiveram na Petrobrás e conversaram com os doutores Seabra Moggi e Eloy do Egito Coelho. O segundo afirmou que seria de grande utilidade a criação de uma escola capaz de formar técnicos em eletrônica voltada ao setor petrolífero. A sugestão foi acatada com entusiasmo.
Naquela altura, um Instituto Eletrotécnico, situado na vizinha Itajubá, já havia formado mais de 800 engenheiros e contava com excelentes professores. Para saber um pouco mais sobre o assunto, Sinhá Moreira procurou diversos profissionais e responsáveis pela instituição, dentre eles Aureliano Chaves de Mendonça (que viria a se tornar Ministro das Minas e Energia, governador de Minas Gerais e vice-presidente do Brasil) e José Nogueira Leite (que, em 1965, iria fundar, também em Santa Rita do Sapucaí, o Inatel – Instituto Nacional de Telecomunicações). Ao tomarem conhecimento das intenções de Sinhá Moreira, todos acharam que seria mais vantajoso criar um curso que abrangesse – não só o segmento de petróleo – como todos os ramos da eletrônica.
Semanas depois, o engenheiro Antônio Aureliano Chaves de Mendonça apresentou o primeiro anteprojeto para a criação da escola técnica de eletrônica. O trabalho destacava os anseios do país para a implementação do ensino nesta modalidade e apresentava os benefícios que a criação de uma instituição dessa natureza seria capaz de proporcionar na indústria nacional. Quase em seguida, o Engenheiro José Nogueira Leite apresentou um novo anteprojeto.
Procurados pelo grupo que havia acabado de ser constituído, S.S. Steinberg e doutor Paulus Aulus Pompéia, professores do Centro Técnico de Aeronáutica de São José dos Campos, deram diversas sugestões para o aprimoramento do projeto. Além de Aureliano Chaves e de Nogueira Leite, professores e diretores de várias instituições e empresas nacionais foram procurados para colaborarem na criação do programa.

Muitos especialistas, como o engenheiro Ostend A. Cardim (professor de Eletrônica e Telecomunicações na Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil) e representantes da Petrobrás, da Comissão Vale do São Francisco e do Instituto de Pesquisas Radioativas contribuíram com estudos para a criação do Curso Técnico de Eletrônica no Brasil. O Dr. Alfonso Martignoni, diretor da Escola Técnica Nacional e Assistente do Diretor do Ensino Industrial, analisou os anteprojetos e ajudou a elaborar o decreto que instituiu o curso, oficializado em 17 de setembro de 1958 pelo presidente Juscelino Kubitschek. A Escola Técnica de Eletrônica de Santa Rita do Sapucaí contou com o apoio do Ministro da Educação e do Diretor do Ensino Industrial, recebendo prédios e equipamentos para atender 350 alunos em tempo integral. Para apoiar a escola, Dona Sinhá Moreira criou a Fundação Dona Mindoca Rennó Moreira, que cedeu um terreno de 48.000 m², colocou mais 39.115 m² à disposição do empreendimento e assumiu a sua manutenção.
O programa definitivo do Curso Técnico de Eletrônica foi desenvolvido com base em contribuições de diversos especialistas, reunidos frequentemente para analisar todos os aspectos da proposta. Participaram do processo professores, engenheiros, militares e pesquisadores de instituições como a PUC-Rio, Marinha, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Exército, Universidade Mackenzie, Centro Técnico de Aeronáutica, Instituto de Pesquisas Radioativas, USP, Instituto Eletrotécnico de Itajubá e Ministério da Educação. O Engenheiro José Nogueira Leite, além de desenvolver o anteprojeto de programa, entregou mais dois trabalhos para os estudos prévios da nova escola: “Programa do primeiro semestre da primeira série” e “Necessidades da Eletrônica”.
Em setembro, o Ministro da Educação designou o engenheiro Heraldo Reif de Paula para avaliar os terrenos oferecidos por Dona Sinhá Moreira, em Santa Rita do Sapucaí. O engenheiro aprovou a área de 87.115 m², próxima ao centro da cidade, sendo selecionados 48.000 m² para a construção da escola, com aprovação também do arquiteto Luiz Affonso d’Escragnolle Filho.
Diversas personalidades influentes manifestaram apoio à criação da Escola Técnica de Eletrônica de Santa Rita do Sapucaí, entre elas autoridades, juristas, militares, educadores, religiosos, jornalistas e políticos. Em 6 de janeiro de 1959, foi assinado o convênio entre o Ministério da Educação e a Fundação Dona Mindoca Rennó Moreira, que doou o terreno e se comprometeu com a manutenção da escola, enquanto o governo forneceria prédios e equipamentos. Através do intermédio das maiores autoridades brasileiras do setor de ciência e tecnologia, estava criada a Escola Técnica de Eletrônica “Francisco Moreira da Costa”, mais importante instituição de seu segmento na América Latina.
A população e autoridades locais também demonstraram entusiasmo, com destaque para o jornal Correio do Sul. A importância do projeto foi reconhecida por publicações de revistas como Visão e O Cruzeiro, e pelo presidente Juscelino Kubitschek, em discurso oficial. Na ocasião, Dona Sinhá Moreira recebeu amplo reconhecimento por sua iniciativa visionária e pela criação da instituição que iria influenciar diversas gerações, em seus mais de 65 anos de existência. Estava plantada a semente que transformaria a indústria brasileira, como previu sua criadora. Em breve, estudantes de diversas partes do país e do mundo desembarcariam no ponto de ônibus de Santa Rita do Sapucaí, em busca do que poderia haver de mais inovador. A futura “Cidade Eletrônica do Brasil” dava os seus primeiros passos.
