A vinda dos Jesuítas para Santa Rita do Sapucaí

(Carlos Romero Carneiro)

Nos primeiros anos da Escola Técnica de Eletrônica Francisco Moreira da Costa, a presença dos padres jesuítas foi determinante para a construção, não apenas de uma instituição de ensino, mas de um verdadeiro projeto de transformação social e humana. À frente dessa missão nos primeiros tempos estava o padre Vaz — figura emblemática que, entre os anos 1963 e 1973, imprimiu na escola um espírito de austeridade, disciplina, criatividade e, acima de tudo, humanidade.

Mais do que educadores, os jesuítas foram líderes comunitários. O cotidiano da escola era marcado por efervescência cultural e participação estudantil intensa, de festivais de música à irreverência típica da juventude — tudo conduzido com olhar compreensivo, mas firme dos Jesuítas. Ao mesmo tempo, havia uma exigência acadêmica rara: alunos do curso técnico dominavam conteúdos universitários, como cálculo e física moderna, preparados para aplicar seus conhecimentos em qualquer contexto, de laboratórios de ponta a regiões remotas do país.

Nos bastidores, os jesuítas também cultivaram uma cultura de pertencimento entre funcionários e alunos. Desde os pisos feitos com cacos de cerâmica reaproveitados até a criação de mutirões para construção de casas para os colaboradores, tudo era orientado pela solidariedade e pelo respeito mútuo.

O legado da atuação dos jesuítas na ETE FMC transcende os muros da escola. Foi essa base sólida, humana e exigente que permitiu o surgimento do INATEL — hoje referência nacional — a partir do impulso inicial e da coragem de quem já havia provado que era possível educar com excelência e coração.

Mais que diretores, os padres jesuítas foram construtores de uma cultura que ainda hoje ecoa nos corredores da escola: a arte de educar consiste em, antes de tudo, acreditar profundamente na dignidade e no potencial humano. Desde os primeiros tempos, a formação integral esteve presente no cotidiano da instituição e marcou a trajetória de uma das iniciativas mais respeitadas do país. Veja, a seguir, como esta história teve início. Saiba como foi a vinda dos padres Jesuítas para a ETE FMC e como foram os primeiros anos da instituição.

A vinda dos Jesuítas

Era intenção de Sinhá Moreira que a direção da ETE FMC fosse entregue aos padres jesuítas católicos, donos de uma tradição educacional de quase 500 anos e o seu desejo foi atendido pela Companhia de Jesus. Sabe-se que havia uma dúvida se os Jesuítas deveriam ou não assumir uma escola de eletrônica em Santa Rita do Sapucaí, uma vez que eles tinham consciência das dificuldades que encontrariam ao concretizar um projeto tão audacioso.

A vinda do padre Alejandro Caballero, primeiro Jesuíta que chegou para dirigir a ETE, marcou o início do elo entre a Companhia de Jesus e a instituição, tendo a participação direta de Sinhá Moreira nos primeiros anos. “Quase todo dia ela fazia visitas à escola para ver os progressos e dar apoio. Ela servia um café da fazenda, torrado na hora, que era muito gostoso. Era uma pessoa sempre muito atenciosa, respeitadora e a gente também tinha um grande respeito por ela.” – contou o Irmão Jorge Leon Raad, que integrou a primeira leva de Jesuítas que desembarcaram em Santa Rita do Sapucaí. Em entrevista concedida em 2008, ele também se lembrou como foram os primeiros anos dos Jesuítas na cidade: “Eu vim para cá no dia 6 de fevereiro de 1961 e morei em vários lugares, enquanto a gente esperava uma casa definitiva. Comecei morando na casa paroquial, perto da praça Santa Rita, depois fomos para o ginásio (onde é o atual Inatel). Moramos também na casa da dona Aída Cunha, voltamos para a casa paroquial e nos mudamos, definitivamente, para a ETE.”

Em 1962, o primeiro diretor se desligou por não ser um homem com vocação típica para a eletrônica e Dona Sinhá ficou bastante preocupada com os rumos da instituição. Foi designado para assumir a direção o padre José de Souza Oliveira, homem idoso que enxergava a ETE quase como uma utopia. Ele não compreendia o objetivo da escola e a Companhia de Jesus passou a buscar um padre mais sintonizado com a essência da instituição.

Os primeiros anos

Nos primeiros tempos, a ETE era uma escola que formava, quase que exclusivamente, radiotécnicos. Com a vinda de padre Javier Alonso foi implantado um sistema que mudou o panorama da instituição. Ele era um homem entusiasmado, que amava o trabalho que empreendia e que compreendia claramente que o ensino de eletrônica, para ser completo, deveria ser oferecido em tempo integral. Mais do que ensinar eletrônica, o jesuíta também acreditava ser também importante transformar a mentalidade dos alunos para que se tornassem profissionais completos e capazes de atender às demandas do mercado de trabalho.

Chegada de Padre Vaz

Formado em Química pela USP e ordenado em 1957, o Padre José Carlos de Lima Vaz chegou a Santa Rita do Sapucaí em 1963 e, antes de assumir a direção, teve somente uma conversa rápida com Sinhá Moreira, duas semanas antes dela falecer. “Fui encontrá-la, no Rio de Janeiro e ela me disse, olhando nos olhos: Pelo amor de Deus, não deixe a minha obra acabar! Aquilo me comoveu muito e vesti a camisa da ETE.” – lembrou Dom Vaz em uma entrevista concedida em 2007.

Apesar do curto período em que esteve com Dona Sinhá, Vaz percebeu que ela era uma mulher apaixonada pela comunidade e que viveu sempre em função de um ideal. Apesar de não parecer tão claro no início, sua visão foi ficando mais concreta com o passar dos anos e ela compreendeu que o vale do Sapucaí necessitava de uma concepção diferente de mundo, muito além da agricultura ou da pecuária. Talvez ela tenha se inspirado na trajetória de seus antepassados, já que Santa Rita era uma cidade que já havia criado – através da influência de sua família – colégios pioneiros, na primeira metade do século XX. Fato é que ela certamente compreendia que a região precisava se desenvolver em outras atividades, formar profissionais de nível técnico e promover a indústria no país.

No começo, tudo era brejo

Quando Padre Vaz assumiu as rédeas da instituição, havia o prédio antigo, conhecido como edifício provisório e, ali, funcionava tudo. Em volta, um grande brejo e quatro caminhões da Empresa Vista Alegre, de propriedade de dona Sinhá, subiam e desciam para transportar terra e alterar as condições do terreno. Na região dos antigos alojamentos, um aterro de oito metros foi realizado para dar condições de continuidade à obra.

Entraves financeiros

Muito além dos desníveis topográficos, a escola enfrentava um sério problema financeiro que só foi solucionado com a influência da família de Sinhá Moreira. Quando o convênio foi firmado, o Ministério da Educação assumiu os custos para a construção do campus e a compra dos equipamentos, mas os recursos deixaram de ser liberados pelo governo federal por motivos políticos e havia cerca de 60 funcionários contratados para realizar a construção do campus definitivo. A herança de Dona Sinhá estava bloqueada, o inventário ainda não tinha ficado pronto e a escola contava com o apoio da família Moreira e de Bilac Pinto para sanar as despesas e dar continuidade ao empreendimento. “Em 1963, eu fui a Belo Horizonte e procurei o governador Magalhães Pinto. Ele era muito amigo e ligado à família de Sinhá Moreira e falou que, mesmo de resposabilidade federal, a continuidade da obra seria uma prioridade.” – lembrou Vaz.

Como a liberação dos recursos dependia de aprovação na Assembleia Legislativa, o governador abriu uma conta no Banco Nacional, que havia sido fundado pelo pai de Sinhá Moreira e que passou a ser controlado por ele. A tal conta estava em nome da própria instituição financeira e deveria ser utilizada para retirada dos recursos necessários, a fundo perdido. Hoje seria impensável uma iniciativa como esta, mas demonstra toda a influência de Sinhá Moreira e de sua família na construção de um projeto capaz de revolucionar o país. Até que Dom Vaz deixasse a direção da ETE, em 1973, a construção já estaria concluída, com laboratórios dotados de modernos equipamentos vindos do Leste Europeu e a escola já se consolidava internacionalmente. Muitos fatos marcaram os anos que sucederam à primeira passagem de Vaz por Santa Rita do Sapucaí, mas isso é assunto para uma outra reportagem. Fato é que, através de sua gestão, a ETE estaria pronta para se projetar pelo país e revolucionar a tecnologia.

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