(Por Bráulio Souza Vianna)
Nos tempos em que o meu pai atuou como médico na aeronáutica, saímos com ele para a nossa primeira viagem de avião. Íamos para a selva numa assistência aos indígenas. Mas, não ia ser “só” isso… Estávamos de férias e partimos cedinho da Base Aérea do Galeão com destino a Brasília, Rio Branco, Manaus e Boa Vista, com paradas em dois acampamentos próximos às tribos indígenas.
Na saída, o avião estava sobrevoando a Baía da Guanabara e o piloto avisou que um dos motores tinha perdido força. Nada que o sargento mecânico a bordo pudesse consertar no ar. Retornamos à Base e, no dia seguinte, após o reparo, seguimos rumo à selva.
Chegamos ao mais novo acampamento da FAB na selva. Estava-se fazendo um posto de atendimento indígena e nós, como parte da tripulação, éramos filhos do Major médico. Éramos crianças, mas éramos parte da tripulação. Fazíamos pequenas coisas para ajudar, mas a nossa verdadeira missão era viver aquela experiência. Era uma profusão não só de indígenas, mas também de caboclos que moravam naquela região e que iam se beneficiar do hospital de campanha. Simples, mas eficiente.
O acampamento era em torno de uma pista de pouso. Uma picada aberta na mata pelo Exército, por todo lado em volta a Floresta Amazônica.Nesse acampamento, papai ganhou um macaco-prego filhote de um indígena. Não podia recusar, então lhe presenteou de volta com um canivete e assim adotamos o Preguinho, com instruções para só dar frutas a ele. E levantamos acampamento levando o Preguinho e já dando uns pedacinhos de banana pra ele.
Preguinho tornou-se parte da família. Morava na goiabeira, gostou mais dela dentre as outras árvores do quintal do casarão da Fazenda das Palmeiras. Que sempre dava muiiiita goiaba, é uma goiabeira centenária que produz até hoje. E nela também morava Iara, a Arara, com quem fez amizade. A goiabeira foi mesmo uma ótima escolha.
Mas, Preguinho era guloso. Se pegasse uma penca de bananas, comia até não poder mais. E, como era auto-suficiente, morava no imenso quintal e tinha acesso a muitas frutas, só entrava no casarão para brincar com a gente, comida ele se virava. Reinava pela casa toda, absoluto.
Tempo de jabuticabas, saudades da minha mãe… Eram 6 pés de jabuticaba, de 3 diferentes variedades. A melhor era a da árvore vizinha àquela em que Preguinho e Iara moravam. Passava um pequeno arroio ali, que mais tarde iria se juntar a outros para formar o Córrego do Mosquito. Os pés que ficavam mais perto do córrego tinham as mais gordas e as mais doces. Jabuticaba gosta tanto de água que às vezes penso que é mais um peixe do que uma árvore.
Mais sábia, Iara comia modicamente, enquanto que todo ano Preguinho se esbaldava. Naquele ano a safra foi das melhores. Chovera bem, as jabuticabas estavam enormes, bem adubadas com esterco de galinha e palha de café. Muito doces. Irresistíveis. Preguinho não parava de chupar, uma após a outra. Tentamos fazê-lo parar, mas ninguém conseguia tirar ele do pé. Comeu tantas que teve um nó nas tripas, como a gente diz na roça, entupiu. Papai tentou operá-lo, mas já era tarde. Para nossa tristeza, o querido guloso não aguentou tanta jabuticaba. Gostamos de pensar que pelo menos ele se foi feliz, repleto de sua fruta predileta.