(Por Carlos Romero Carneiro)
O carnaval sempre esteve entranhado no meu DNA e a paixão que nutro por um bloco da minha terra natal parece indissociável de muitas alegrias e amizades que colecionei, no decorrer da vida. Cresci no alto de um morro onde surgiu uma agremiação prestes a completar noventa anos e que resiste até hoje. Um espetáculo que me remete um pouco aos cortejos religiosos, onde as velas deram lugar aos postinhos de luz, à beira das calçadas, os andores se transformaram em carros alegóricos e as ladainhas foram convertidas em marchinhas de carnaval. Filho de eletricista que iniciara na profissão no início do século passado, o meu avô cuidava da geração de energia e era um dos poucos membros do Bloco dos Democráticos que sabiam manusear um gerador que fora usado na primeira edição do Rock in Rio. No fim dos anos oitenta, acompanhou o desfile debaixo de chuva, pegou pneumonia e faleceu dias depois. Meu pai assumiu o seu posto, além de integrar a direção do bloco que era uma das suas grandes paixões. Promovia eventos, vivia no barracão que construiu com alguns amigos e, aos treze anos, eu dava uma força na bilheteria, em bailes promovidos nos finais de semana. A minha paixão pelo Democráticos teve início aos três anos, quando desfilei pela primeira vez. Me fantasiaram de Peter Pan e me acomodei em uma réplica de um navio pirata, num domingo à tarde. Gostei tanto que usaria aquela roupa até que rasgasse no corpo. Ia todos os dias com os meus amigos ao barracão para brincar na embarcação que, na minha imaginação de garoto, era uma réplica idêntica do navio do Capitão Gancho. Sempre adorei fantasias. Vivia vestido de Superman, soldadinho ou Eric Estrada. Esperava o ano todo pela chegada de fevereiro, na expectativa de conhecer o enredo. No momento do desfile, havia sempre um ritual, em frente à minha casa. Postes de luz eram acionados, um maestro tocava o clarim, os músicos executavam o hino e uma multidão cantava junto, ladeando o bloco que descia o morro, em direção à praça. O chão ficava coberto por uma grossa camada de confetes, os fios dos postes eram adornados por um emaranhado de serpentinas e, na subida, o público adentrava os cordões para tomar parte na folia. Aquilo era uma festa para os meus olhos… Achava incrível ver as crianças brincando o carnaval com os seus pais e avós, como acontecia desde o início da década de trinta. Eu fazia a mesma coisa e aqueles foliões e organizadores acabaram se tornando pessoas que prezo muito. Em 2023, integrei a diretoria do Democráticos com a esperança de rever os meus antepassados e amigos, mesmo que de relance. É sempre muito rápido, quase uma fagulha. Mas quando o desfile tem início, quase consigo enxergar o meu pai, meu avô e alguns vizinhos transitarem por ali, como era comum nos velhos tempos. Quando isso acontece, eu bebo um gole de cerveja, enxugo as lágrimas e, como na velha marchinha, me transformo em ninguém na multidão.
(Extraído da obra “Quarentena aos Quarenta, de Carlos Romero Carneiro. 2024)