Por Érik da Silva e Araújo
– Quem podemos escolher para a apitar o jogo? Temos que achar alguém! Não podemos adiar a decisão! Trazer um árbitro de fora fica muito caro! Disse um dos organizadores do Campeonato Santa-ritense de Futebol. Todos concordaram. Estava estampada a interrogação, pois ninguém queria apitar a final do campeonato.
Santa Rita do Sapucaí é uma pequena cidade situada no Sul de Minas Gerais, conhecida pela cultura do café e a produção de leite. O Carnaval é bastante famoso pelos blocos do Ride Palhaço, Democráticos e Bloco do Urso. Outra atração é a Festa de Santa Rita de Cássia, padroeira da cidade. Porém, o que faz Santa Rita ser renomada no Brasil e até internacionalmente é a educação.
A excelência da educação está nos cursos da Escola Técnica de Eletrônica Francisco Moreira da Costa (ETE), pioneira no ensino tecnológico, no Instituto Nacional de Telecomunicações (INATEL) e na Faculdade de Administração e Informática (FAI).
Bem, depois da breve apresentação de Santa Rita do Sapucaí, vamos falar de uma situação interessante dessa simpática cidade do Sul de Minas Gerais. Tudo acontece com um ilustre filho adotivo da cidade, Aloísio dos Santos. Este era um típico estudante das escolas de Santa Rita. Com seus 15 anos de idade, ainda criança, veio para Santa Rita estudar na Escola Técnica de Eletrônica.
Como garoto prodígio que era, tinha como objetivo a profissão de Técnico em Eletrônica. Morou nos alojamentos fornecidos pela escola, quartos de pensão e em casas com grupos de colegas. Estas últimas formavam as famosas “República de Estudantes”. Com aproximadamente 18 anos, Aloísio havia se formado na ETE, com uma ressalva: foi o primeiro aluno da turma. E não parou por aí, prestou vestibular para o curso superior fornecido pelo INATEL. Começaria um novo desafio em sua brilhante carreira: se tornar um Engenheiro Eletricista e de Telecomunicações.
A vida acadêmica de nosso amigo caminhava para a prosperidade. Mas Aloísio tinha uma outra paixão, o futebol. Apesar de ter nascido em Aiuruoca, circuito das águas de Minas Gerais, era torcedor apaixonado do Clube de Regatas Vasco da Gama. Dividia seu tempo entre o estudo sério nas escolas e a paixão pelo futebol. Esse amor não se resumia apenas ao torcedor, mas também no jogador de futebol das equipes amadoras de Santa Rita do Sapucaí, onde participava dos campeonatos municipais e regionais.
Como atleta, tinha biotipo magro, esguio o que o tornava muito rápido. Atuava na posição de primeiro volante. Era aquele jogador chato, que persegue os craques das outras equipes. Marcador implacável. Se lhe faltava técnica, compensava na perseverança e aplicação tática. Grudava no adversário, roubava-lhe a bola e distribuía rapidamente para o responsável pela armação. Esse era o estilo de Aloísio.
Mas Aloísio não se limitava apenas à função de jogador. Também tinha interesse pela arbitragem. Quando não podia jogar, participava do mundo da bola como árbitro. Era destacado por ser um árbitro justo, rigoroso e imparcial. Erros, estes quase não aconteciam, frisando que praticamente nunca era criticado.
Por esse tempo, em um final de semana chuvoso, é que se dá o acontecido, a decisão do Campeonato de Futebol Municipal. Final disputada entre as equipes de maior rivalidade nas competições futebolísticas dessa cidadezinha. De um lado, o Industrial Futebol Clube, uma equipe poderosíssima onde atuava grande parte dos craques de Santa Rita. Ao lado da equipe do Industrial, estava sua grande e fiel torcida. Naquele campeonato, a equipe vinha de uma campanha invicta.
De outro lado, o grande rival, o Esporte Clube Minas Gerais, conhecido como “Cabeça de Vaca”. Também invicto, estava na “ponta da chuteira”. A confiança do título era absoluta por sua fanática torcida.
As duas equipes chegaram à decisão do Campeonato com apenas um empate e vitórias arrasadoras sobre seus adversários. O empate foi justamente o jogo entre elas, que terminou em um espetáculo de quatro a quatro. Partida memorável! No mais, igualavam em tudo. O último critério para o desempate foi lançado: uma partida extra.
Contudo, surge a questão: quem seria o árbitro deste evento de tamanha rivalidade? Foram consultados vários árbitros. Todos recusaram. Metade da cidade torcia pelo Industrial, a outra metade, pelo Cabeça de Vaca. Metade sairia insatisfeita do estádio. Quem podemos escolher para a apitar o jogo? Temos que achar alguém! Não podemos adiar a decisão! Trazer um árbitro de fora fica muito caro! Você aceitaria? Claro que não! Presente de grego! Dentro desse cenário, que árbitro guardaria a confiança das duas equipes, o respeito dos torcedores, sendo capaz de conduzir o evento com firmeza? Árbitro, este, de qualidades referidas, estava apenas em Aloísio dos Santos. Assim, foram à captura de nosso amigo.
Não foi difícil achá-lo. O primeiro lugar a procurar, ali estava ele. Quando chegaram no quarto onde Aloísio se alojava, o encontraram embaixo de cobertas com uma baita gripe. O tempo chuvoso não lhe havia feito bem. Tinha os olhos esbugalhados e a cara vermelha. Você, leitor, já deve ter experimentado essa horrível sensação em situações assim.
Para Aloísio, essa partida era a oportunidade ao seu prazer futebolístico. Afinal, não é todo o campeonato que envolve uma situação tão esplendorosa. Porém, sem grande surpresa, recusava-se a arbitrar. Gostava de desafios e para ele o momento era perfeito. Mas, com aquela gripe, era muito difícil. Depois dos organizadores pedirem, insistirem, implorarem, Aloísio concordou em apitar o grande jogo, mesmo gripado. Foi então que selou sua decisão com uma exigência: “Pelo amor que tenho por Santa Rita e por minha paixão pelo futebol digam aos clubes e à torcida que vou apitar o jogo, porém…Tenho uma condição…”
O jogo começou às 17 horas do domingo com uma chuva muito chata. Aquela garoa que cai na cabeça e vai escorrendo pelo rosto. Quando você menos percebe está todo ensopado. Mas Aloísio estava lá! Promessa cumprida! O melhor árbitro de Santa Rita dando um verdadeiro espetáculo e roubando a cena da decisão do campeonato. As equipes se matando, bola na trave, jogo corrido, empenho brutal de parte a parte. Entretanto, o grande destaque da partida era Aloísio. Acompanhava lance a lance, cartão amarelo daqui e dali, precisão na marcação das jogadas e uma situação inusitada… Todo esse desempenho era realizado com um guarda-chuvas na mão!
Justamente, caro leitor, a condição imposta por Aloísio para arbitrar a final do campeonato era essa: apitar o jogo de guarda-chuva. Deixando o bom senso um pouco de lado, Aloísio personificou-se em uma situação um tanto quanto engraçada para não dizer ridícula. Durante todo o primeiro tempo da partida Aloísio manteve seu guarda-chuva na mão. Foi o destaque do jogo. Roubou a cena dos jogadores, da torcida e de toda a festa que foi programada. O público presente era só euforia, diversão e risos. Aloísio era imparcial a tudo e continuava sua apresentação com o guarda-chuva na mão executando o seu papel de árbitro. Afinal, ele estava gripado e durante sua exibição não cometeu nem um erro sequer. Pelo menos diante daquela situação inesperada ninguém percebeu nada.
Ao retornar para a segunda etapa, Aloísio não trouxe o guarda-chuva. O jogo correu sem maiores problemas. Afinal até mesmos os jogadores não acreditaram muito no que tinham visto no primeiro tempo. Pensando bem, foi uma grande estratégia para o domínio da partida. Não houve discussões e nem violência, comum em partidas dessa envergadura. O jogo terminou com a vitória do Cabeça de Vaca por um gol a zero, sagrando-se Campeão Municipal e interrompendo uma série de dois títulos seguidos do Industrial Futebol Clube. A decisão terminou com Aloísio se tornando o personagem principal do evento.
Segunda-feira, logo de manhã, depois do dia fatídico, Aloísio acordou bem melhor da gripe. Por volta do meio-dia, como normalmente de costume, foi almoçar na pensão de Dona Hespanha, de comida caseira, muito boa e preço razoável. Famosa na cidade, a pensão costumava receber muitos estudantes e viajantes.
Aloísio acomodou-se em sua mesa preferida. Ainda não havia muitas pessoas. Em outro lugar estava um caixeiro viajante esperando sua refeição. Este, ao reconhecer Aloísio, levantou-se, aproximou-se de nosso herói e educadamente perguntou-lhe:
– Desculpe, mas você era o juiz da partida de ontem entre Industrial e Cabeça de Vaca?
– Sim, era eu mesmo! Responde Aloísio.
– Parabéns, você apitou incrivelmente bem! Diz o viajante com tom hiperbólico.
– Obrigado! Agradece Aloísio com um largo sorriso no rosto e cheio de orgulho.
Neste momento, o viajante hesita… E com um pequeno ar de ironia diz:
– Eu já viajei por esse Brasil inteiro, mas nunca vi um juiz apitar um jogo de guarda-chuva. Congratulações!