Lembranças do tio Chico

    Leia um texto em que Marly Barbosa Fontes recorda do seu tio, Francisco Moreira da Costa

    (Marly Barbosa Fontes)

    Meu avô materno, Pedro, ao morrer por volta dos 30 e poucos anos, havia deixado minha avó Maricotinha com 5 filhos pequenos. Minha mãe, a mais velha, tinha 9 anos e a caçula, Dorothy, apenas meses. O irmão do meu avô, Chico Moreira, casado com tia Mindoca, irmã da minha avó, jamais faltou com seu apoio à cunhada e esteve sempre presente em tudo o que ela necessitasse. Tio Chico, como o chamávamos, muito respeitado na cidade por sua justiça, era um homem empreendedor e dinâmico. Foi ele quem fundou o Banco da Lavoura e depois o Banco Nacional. Pessoa de recursos, conseguiu, com muito trabalho e visão à frente de seu tempo, uma posição de destaque. Era consultado para qualquer querela familiar ou financeira que surgisse na cidade.

    A grande diversão local era o cinema de minha avó, e muitos moradores eram frequentadores constantes. Conta-se que, certa vez, um padre missionário veio à cidade para pregar na igreja. Ele iniciava sua pregação no final da tarde, comecinho da noite e, como de hábito, a sirene do cinema tocava por três ve-zes, avisando do início da sessão. O padre se incomodava porque, em meio ao seu sermão, ao ouvir a sirene muitos de seus fiéis deixavam a igreja. Com isso, o padre foi aos poucos convencendo os fiéis a não irem mais ao cinema, devido às cenas de beijos, naturais nos filmes. Aos poucos, parte da população foi tomando partido do padre, chegando ao cúmulo de planejar apedrejar e invadir o cinema. Minha avó, tendo sido avisada por amigos de que o assalto seria em determinada hora, convocou o Chico Moreira e seus irmãos Benedito, Zico e Rennozinho para auxiliá-la e aqueles homens sérios, respeitados por toda a população, simplesmente se colocaram defronte o prédio. Posso imaginar a cena: aqueles homens de terno, gravata e colete, traje comum da época, sem armas, sem nada nas mãos para se defender, simplesmente com a coragem – passaporte de decência – aguardando os invasores. Ao vê-los, as pessoas que chegavam para o ataque, aos poucos foram desistindo de seu intento e se re-colhendo aos seus lares. Essa história me foi contada por diferentes pessoas, cada qual modificando um pouco, conforme o parecer de cada um, mas todos unâ-nimes em afirmar que o que demoveu a população do ataque, foi a presença de meus tios-avós.

    A generosidade do Tio Chico Moreira para com nossa avó continuou se manifestando na geração seguinte. As primas Sinhá e Carminha, filhas do Tio Chico Moreira, eram as maiores amigas de mamãe (Glorinha Moreira) e, quando esta morreu, foram tão generosas comigo e com os meus irmãos quanto Chico havia sido com a minha avó.

    No Rio de Janeiro, Carminha, cujas filhas Regina e Beatriz tinham aproximadamente a mesma idade que Christina e eu, estava a par de tudo que jovens desejam e necessitam. Como meu pai não podia nos proporcionar o mesmo que ela proporcionava às filhas, Carminha pagava para nós aulas particulares e nos presenteava com roupas, calçados, fantasias para o carnaval e, eventualmente, joias.

    Já em Santa Rita, onde passávamos férias na casa de Sinhá, era a vez desta cumular-nos de atenções, conquistando nosso respeito e admiração. A ela desejo escrever um capítulo especial, mas ficará para a próxima edição.

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