Eu sou a pedra que ficou (Por Ivon Luiz Pinto)

Tentei sonhar, faço esforço para sonhar. Não sonho. Às vezes, procuro inventar um sonho, mas não consigo. Nem um sonho falso consigo, um fake. Alguma coisa aconteceu que fez murchar a árvore dos sonhos.

Jung disse que a gente sonha toda noite, algumas vezes se lembra e muitas outras não. O sonho fica no inconsciente. Creio que é isso que está acontecendo comigo. Eu imagino o que quero sonhar, tento administrar esse desejo e não chego a nenhum resultado. Recorro às músicas que a gente gostava, aquelas que serviam para dançar e aquelas que ela cantava para mim, mas nada adianta e amanheço com os fones chiando no ouvido e o celular apagado.

Às vezes, olho para nossos retratos, fotos em diversos lugares, nós dois juntos, às vezes abraçados, beijando, outras vezes lado a lado, fazendo pose. Ela, de vermelho. Meus Deus, como o vermelho ficava bonito no corpo dela!

Contemplo nossos sorrisos, relembro a felicidade daquele momento e peço para que ela saia da foto e venha me abraçar e me tocar, mesmo de leve, mesmo por um segundo. A foto não é sonho. É recordação, lembrança de um momento feliz que quisemos perpetuar. A foto recorda, mas não me toca, ela lembra um momento, mas não fala, e eu sinto falta de sua voz, de suas carícias.

Hoje acredito que sonho foi a vida que vivi, foi o tempo que junto passamos no enlevo do amor. Agora tudo se foi e compreendo que vivi um sonho brincando de realidade e me pergunto por que parei de sonhar. Tudo era um sonho, pois tudo era bom, tudo concorria para o bem e nossas almas estavam entrelaçadas numa colcha de retalhos construída a cada dia. Agora sinto a realidade e ela maltrata e é maltrapilha.

A vida é como o riacho que escorre entre as pedras da montanha. Lá no alto, há uma pedra presa a outra pedra, olhando a corredeira de água, deslizando, ouvindo com alegria o marulhar da água cantando uma canção de vida.

Todo dia, estas pedras observavam que o sol da manhã abria os ninhos para os passarinhos empinarem o peito e soltar o canto de agradecimento pelo novo dia e as flores tremeluziam suas cores assopradas pela brisa da manhã. Durante o dia, muitos pássaros pousavam nelas recuperando-se de um voo ou descansando para levantar asas. Suas garras fininhas faziam cócegas em seus corpos, sem nunca deixar um arranhão. À tarde, quando o céu se vestia de cores para expulsar o dia e acolher a noite, os pássaros voltavam em bando ruidoso e as flores esmaeciam as cores e, lá no alto, miríades de luzinhas pisca piscavam como se fossem sinais Morse galácticos. Enquanto todos dormiam, as pedras ficavam acordadas, contando as estrelas e sonhando com uma viagem espacial na amplidão do céu, brincando com as nuvens e contando estrelas, sentindo nos corpos o vento frio que vem da floresta e saboreando o perfume das flores perdidas na amplidão. Às vezes fechavam os olhos e ficavam quietinhas para que o silêncio das almas desse mais emoção.

Um dia, uma pedra rolou, escapuliu pela corredeira levada pela água clara e foi recebida pelo poço que espelhava o azul do céu.

A pedra que ficou sozinha não mais se alegrou com a visita dos pássaros e ficou surda à melodia das águas; o céu não tinha mais esplendor e os dias ficaram inúteis. Um grande vazio ficou em seu coração, um vazio em forma de Deus, um espaço que só poderá ser preenchido pelo próprio Deus,
Eu sou a pedra que ficou.

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA