(Por Sandra Marina Fortes)
Já morei em um castelo. Um castelo com muitos quartos, uma sala bem grande, muitos cômodos. Um castelo azul no alto da montanha. O melhor era o jardim, onde eu corria entre as flores que ficavam ainda mais bonitas na primavera. Do alto do meu castelo, eu via o corre-corre das pessoas que moravam lá embaixo. Ouvia o rádio… Na casa da Dona Francisca, mais anúncios comerciais do que músicas. Mas, quando tocava um sucesso, quase não era possível ouvir a voz do cantor. A filha, Zenaide, cantava mais alto do que o rádio, num tom desafinado e estridente.
Em meio a falatórios, na casa do lado, o senhor João ouvia a sua vitrola que tocava a catira. Eu, no meu castelo, deixava tudo distante em um segundo e vivia um conto de fadas. Até ouvir minha mãe me chamar aos gritos. Logo o meu castelo se quebrava: era apenas um barranco no começo da rua Pedro Sancho Vilela, no bairro Juquita.
Já se passaram uns 40 anos, desde a minha infância. Voltando à rua que cresci, meu castelo ainda estava ali. Hoje cercado de tábuas com fileiras de bananeiras sufocando a vista do horizonte, meu castelo é nada menos do que um pequeno lote em um barranco.
O silêncio da rua só era cortado pelas buzinas e o ronco dos motores dos carros na oficina que, por décadas, ainda permanecia ali. A casa da minha avó ainda estava naquele lugar com um alpendre solitário acompanhado de um ipê amarelo. As casas já não eram as mesmas, as pessoas foram se renovando, gerações seguintes ocuparam lugares que foram deixados. Me pairou um sentimento triste de abandono no coração. Uma solidão! Era a saudade. Saudade do tempo que ficou para trás.
(Extraído da obra “Relógio do Tempo” de Sandra Marina Fortes)