(Carlos Romero Carneiro)
O sobrenome Del Picchia costuma remeter ao modernista Menotti Del Picchia, autor de Juca Mulato e um dos criadores da Semana de Arte Moderna de 1922. Mas a história guarda outro personagem dessa família que merece luz própria, alguém cuja atuação marcou não apenas o cinema brasileiro como a própria formação urbana e memória visual de Santa Rita do Sapucaí: José Del Picchia, irmão do poeta Menotti.

Poucos sabem, mas José foi professor em Santa Rita do Sapucaí, no início do século XX e atuou de forma decisiva na urbanização da cidade. Suas contribuições foram materiais, documentais e culturais, mas acabaram se perdendo com o passar dos anos. As plantas do antigo mercado, do extinto matadouro, da fonte do repuxo e do primeiro coreto, foram algumas de suas obras. Essas construções representaram um salto de modernidade local e definiram a estética da Santa Rita por muitos anos.
Além de professor do IMEE e projetista de lindas construções, José Del Picchia trouxe consigo outra paixão: as primeiras técnicas de fotografia e de cinema que começavam a se popularizar no Brasil e no mundo.
Durante o período em que viveu em Santa Rita, José chegou a gravar imagens do cortejo fúnebre do presidente Delfim Moreira, morto em 1º de julho de 1920. O filme, considerado uma joia documental, registra autoridades e o trajeto do funeral, acontecimento nacional cuja memória visual só existe graças a esse pioneirismo. Isso faz dele um dos primeiros cinegrafistas a documentar oficialmente um ex-presidente da República em solo brasileiro, e talvez o primeiro a registrar cinematograficamente um evento político de grande porte no Sul de Minas, há mais de um século.
Após sua passagem por Santa Rita, José levou a experiência acumulada para São Paulo, onde aprofundou sua atuação no cinema. Segundo a pesquisadora Maria Rita Galvão, ele e seu irmão Menotti Del Picchia foram nomes esquecidos que ajudaram a estruturar as primeiras décadas do cinema nacional. Sua trajetória, antes dispersa em arquivos e jornais, começou a ser recuperada por estudiosos e até se transformou em documentário.
Com Menotti Del Picchia e Armando Pamplona, José criou uma produtora destinada a retratar cidades paulistas para a Exposição Internacional do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro, em 1922.
Entre 1929 e 1931, eles também produziram as primeiras experiências sonoras do cinema brasileiro. Nesse período, rodaram filmes como “Acabaram-se os Otários” (1929) e “Alvorada de Glória” (1931), que podem ser encontrados no Youtube. Tais produções são importantes, pois antecedem e preparam a chegada definitiva do cinema falado ao país.
A trajetória de José Del Picchia revela um personagem incomum, alguém capaz de contribuir decisivamente para o desenho de uma cidade e, simultaneamente, para a construção da memória nacional. Foi pioneiro na produção cinematográfica local, rodou filmes institucionais e foi parte importante das experiências que inauguraram o cinema brasileiro. Para saber mais, assista “Menotti e o Cinema”, documentário sobre o pioneirismo dos Del Picchia no Cinema nacional. O filme tem direção e montagem de Thiago Altafini, fotografia de Fábio Zangelmi e produção de Carol Alleoni.

































