Matéria especial em homenagem a Wagner “Waguinho” Caputo, cuja memória permanece viva nas histórias que contava — e nas que protagonizou.
Santa Rita do Sapucaí amanheceu mais silenciosa. Faleceu ontem Waguinho Caputo, um dos maiores contadores de causos da cidade — e, ao mesmo tempo, personagem central de muitos deles. Figura querida, espirituosa e sempre rodeada de amigos, Waguinho carregava consigo um patrimônio imaterial: histórias que revelam a alma leve, criativa e irreverente do povo santa-ritense.
Nesta entrevista, revisitamos algumas das passagens mais marcantes que ele contou em vida. Episódios que misturam juventude, amizade, coragem, improviso, trapalhadas e, acima de tudo, a alegria de viver.
Você já foi canhoneiro do Capitão Gancho?
Isso foi quando o Bloco dos Democráticos ia sair de Peter Pan e eu ia ser o canhoneiro do navio do Capitão Gancho! Acontece que nesse navio tinha dois canhões que lançavam confete. Você punha o confete dentro do canhão, travava tudo e ligava um extintor de incêndio pra dar pressão até soltar a borracha que prendia a ponta. Quando eu vi que o soldador do canhão era o Chicão, que nunca tinha soldado na vida, eu comecei a ficar com medo! Daí, na hora mesmo do bloco sair, quando eles falaram que eu ia ter que ir sentado em cima daquela bomba, eu sumi do mapa! O povo só faltou me linchar! Acho que no final das contas foi o Cardão Coelho que assumiu o meu posto, mas deu tudo certo!

Como foi a história da peteca?
Os irmãos De Franco tinham uma peteca gigante, feita de madeira. Então nós colocamos a peteca em cima do carro alegórico e ela ficava girando meio torta, parecendo que ia cair. Fizemos isso pra encher o saco do Ride. Naquele ano eles não iam sair. Em cima do carro alegórico, colocamos a tal peteca e escrevemos uma faixa bem grande dizendo: “Do nosso lado ela não cai!”. Aquilo gerou uma polêmica danada na cidade! Queriam bater na gente!
Naquela mesma semana nós fizemos tambem um carimbo gigante e escrevemos “Democráticos, agora e sempre”. E saímos carimbando a cidade inteira!” A gente carimbou até a casa do Gil Siécola! Na casa do Capone, tinha uma cerca de madeira, tipo régua. O João Gula, pegou o carimbo e pintou a cerca inteira do homem! Pra piorar a situação, de noite eu e o Chicão ligamos na casa do Senhor Hugo, e dissemos que era o Capone! A gente falava: “Eu vi o senhor pintando o muro da minha casa. Eu vou te processar!” O Hugo queria morrer! Na verdade, o Capone nem ligou. Ele nem esquentou a cabeça. O que a gente queria mesmo era botar fogo!
E a famosa viagem à praia?
Uma vez um amigo meu me chamou pra passar um final de semana na praia. Ele disse que ia na sexta-feira e eu só poderia ir no sábado. Aí nós alugamos a casa de um rapaz daqui de Santa Rita. Nós pegamos o endereço, o número da casa, as chaves e esse amigo meu entrou no carro e foi. Quando ele chegou lá na casa e tentou abrir a porta, nenhuma chave abria. Ele pensou: “Será que o rapaz me entregou a chave errada?” Aí tinha um vitrô aberto, ele pegou a filha dele, passou a menina pela fresta e pediu pra ela abrir a porta da cozinha. A menina foi lá e abriu. Ele então guardou o carro dele, guardou as coisas que ele tinha levado, se acomodou e até bebeu uma garrafa de vinho que tinha encontrado na geladeira. No outro dia, acordou cedo, juntou a família e foi pra praia. Lá eu me encontrei com ele, passamos a tarde toda juntos e pegamos as coisas pra voltar. Quando eu cheguei de carro em frente à casa, eu vi que ele tinha ficado. Ele estava parado em frente a uma casa que ficava uns 10 metros atrás. Ele gritava: “Vem cá, rapaz! A casa é aqui!”. Eu conferi o número que eu tinha anotado e estava tudo certo. Não estava entendendo ele. Aí eu fui lá e falei: “Dá a chave aqui”. Quando cheguei na casa em que eu tinha parado em frente, peguei as chaves e abri tudo! Só aí que ele notou que tinha ficado na casa errada! Ele falava: “Não é possivel, eu dormi naquela casa, tomei o vinho da geladeira e você vem me falar que é a casa errada?” Foi um Deus nos acuda! Tivemos que juntar tudo e trazer correndo com medo do dono encontrar a gente lá dentro! Até janta ele fez!
Vocês também viajavam pra pescar, né?
Uma vez nós fizemos uma viagem pra pescar em um afluente do Rio São Francisco. Fomos eu, o Leonilton, o Mauro Cunha, o Carlinhos Dentista, o Senhor Jader Machado, o Candião, o Chicão, o Jaime Leiteiro, o doutor Quina… foi uma turma boa! A gente foi ao rio Urucuia. Perto do acampamento nosso tinha uma árvore grossa e o Candião colocou o fogão encostado nela. No quarto dia, a gente estava pescando na beira do rio e o Chicão me chamou pra ir no acampamento fritar uma linguiça. Voltamos eu, o Chicão e o Candião. Quando o Candião começou a esquentar o óleo, a gente descobriu que nessa árvore tinha uma caixa de marimbondos. O Candião tirou o último pedaço de linguiça e saiu correndo. Com o calor do tacho, os marimbondos que estavam voando em cima da árvore começaram a cair todos dentro da gordura quente. Coalhou o tachinho de marimbondo preto! Nisso veio o Jaime Leiteiro e perguntou se tinha sobrado linguiça. A gente falou que não tinha. Aí ele foi lá no fogão, olhou no tacho e falou: “o melhor da linguiça vocês não estão comendo! O bom é a borra da linguiça!” Ele pegou um pão, encheu de marimbondo e comeu o sanduíche inteiro!
Tem alguma história dos seus tempos de caminhoeiro?
Em 1969 nós fomos pra Manaus de caminhão. Na época não tinha rodovia. A gente andava 4 mil quilômetros em estrada de terra. Foram 34 dias de caminhão pra gente chegar lá. Estávamos carregando dinamite. Nesse dia, os índios estavam todos ouriçados na estrada e resolveram subir no caminhão em movimento! A gente ficou morrendo de medo de parar e até de descer do caminhão. Daí chegamos a um mercadinho, pulamos na mesma hora do caminhão e entramos correndo. Quando os índios viram, entraram juntos e começaram a comer tudo que viam na frente! Teve um índio que comeu até sabão! Ele comia o sabão e fazia cara feia, mas conseguiu traçar a pedra inteira! A gente ficou umas cinco horas lá dentro, com medo deles. Quando a gente voltou ao caminhão, ele tinham arrancado tudo que era espelho, quebraram tudo que era farol… tudo o que brilhava no caminhão eles arrancaram! Eles quase depenaram o caminhãozinho!
E como foi a história do enterro?
Há uns 40 anos, eu e o Chicão estavámos na praça, sentados em um banco perto do coreto, conversando. Daí a gente viu um enterro chegando. Tinha 3 pessoas carregando o caixão e mais ninguém no enterro. Quando o Chicão viu aquilo falou pra gente ir ajudar. O pior é que mais ninguém ajudava! Quando chegamos ao pé do morro, tivemos que colocar o caixão no chão, encostado no muro, e parar para dar uma descansada! Você precisava ver o trabalhão que foi chegar lá em cima! Não chegava nunca! São passagens que a gente não esquece…
E as histórias do seu amigo Toninho Anão?
Um dos maiores amigos do Toninho é o Zezé Protético. Um não largava do outro. Eram o Zezé, o Toninho e o Vandinho. Uma vez o Zezé fez um churrasco na casa dele e, quando eles começaram a festa, a piscina estava com mais ou menos um metro de água. Teve uma hora que o Toninho já estava meio de fogo e o Zezé resolveu jogá-lo dentro da piscina! Queriam dar um susto nele. O que eles não sabiam é que o filho do Zezé, durante o churrasco, tinha resolvido esgotar a água pra poder lavar. Como já estava escuro, eles não viram que a piscina estava seca, pegaram o Toninho, um agarrando pelo pé e outro pelas pernas, chacoalharam bem e jogaram lá dentro! Quase mataram o coitado! Tiveram que levar até pro hospital! Lançaram o coitadinho na piscina seca!

Teve uma outra vez que o Toninho bateu o carro ali perto do chalé! Aquele rapaz era cheio de manha! Ele fingiu que estava morto e tiveram que levá-lo pro hospital. Quando os amigos chamavam, ele não respondia e todo mundo começou a ficar preocupado. Quando o doutor Jorge chegou, falou: ”Esse tá ruim mesmo! Vamos abrir a cabeça dele e fazer uma operação pra tentar salvar!” Nessa hora o Toninho pulou da maca e saiu correndo lá dentro do hospital! Deu o que fazer pra acharem ele!
E o Zezico? Você também conhecia?
Eu sei uma história boa do Zezico! Uma vez o Chicão contou uma história pra mim… mas isso só pode ser mentira! Ele contou que um dia foi viajar com o Zezico e no meio do caminho, perto de Piranguinho, eles viram um velhinho de uns 80 anos, chorando na beira da estrada. Quando o Zezico viu, falou: “Para o carro! Para o carro!” Quando eles desceram, perguntaram porque ele estava chorando e o velhinho falou: “Tô chorando porque o meu pai bateu em mim!” Eles assustaram, mas resolveram levar o velhinho pra casa. Quando chegaram lá, tinha outro velhinho sentado do lado do fogão. E o Chicão perguntou: “Foi você quem bateu nele?”. E o homem, com uns 100 anos de idade falou: “Bati sim! Pra ele aprender a não responder pro avô! Diz o Chicão que o avô dele estava doente, deitado no quarto! Alguém acredita nisso?

































