A biografia de um dos maiores homens públicos do Brasil

(Por Salatiel Soares Correia)

A cena não poderia ser mais imprevisível: a esposa de um grande homem público deste país, angustiada com o estado de saúde do presidente eleito Tancredo Neves, deixa o marido na biblioteca e vai para a cozinha tomar um copo d’água. Passados não mais que cinco minutos, essa senhora retorna à biblioteca e encontra o marido com o rosto deitado sobre um livro aberto. O 18 de abril de 1985 entrou para a história, pois foi nesse dia que faleceu uma das maiores personalidades da política brasileira. Naquele momento, um filme de mais de 50 anos de um casamento feliz passou na memória daquela senhora que acabara de perder o seu companheiro de toda uma vida. Para que possamos entender esta história, proponho que voltemos 113 anos no túnel do tempo, especificamente na pequena cidade sul-mineira de Santa Rita do Sapucaí. Foi lá que nasceu, no dia 8 de fevereiro de 1908, um menino forte e saudável, filho do modesto contador João Pereira Pinto e da dona de casa Laura Pereira Pinto. A escolha do nome da criança se deve ao fato de o pai da criança ser um fã incondicional do poeta Olavo Brás Martins de Guimarães Bilac. Não preciso dizer que estes escritos têm como figura central a biografia do notável homem público, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-embaixador do Brasil na França, Olavo Bilac Pinto ou, simplesmente Bilac Pinto, como assim gostava ele de ser chamado.

Bilac Pinto fez seus primeiros estudos no mesmo campus que abrigaria, décadas depois, o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel). Ainda em Santa Rita, o filho do contador João Pereira Pinto concluiu seus estudos no famoso Instituto Moderno de Educação e Ensino, dirigido pelo senhor Henrique Del Castilho, este, marido de uma mamma dos estudantes de estilo italiano, a popular dona Espanha.
Concluído o ensino fundamental, Bilac Pinto rumou para uma grande cidade, Belo Horizonte, e lá entrou para um dos cursos mais tradicionais de Direito no Brasil — o da Universidade de Minas Gerais. Durante os anos na faculdade de Direito, Bilac Pinto foi não só um brilhante aluno, mas, também, um líder altamente respeitado entre seus pares, como a exemplo de um mineiro de Bocaiúva, José Maria Alkmin.
Conhecido e reconhecido na BH de Juscelino, o filho do contador de Santa Rita se tornou uma espécie de pupilo de uma das maiores raposas mineiras. Falo do então presidente Antônio Carlos de Andrada.
Muita coisa ocorreu em tão pouco tempo para o jovem Bilac Pinto. Um futuro brilhante o levaria ao mais elevado patamar da política nacional. Faltava, para o filho do contador, encontrar sua cara-metade. A Carminha de sua vida ele encontraria pouco tempo depois, na sua Santa Rita natal.

A filha do poderoso Coronel se casa com o filho do contador

Ao regressar à sua Santa Rita natal para passar o fim de ano na casa dos pais, já famoso e respeitado nas Gerais, Bilac foi homenageado com um sarau no Clube Literário Santa-ritense. Na comissão organizadora do evento, encontrava-se a filha do poderoso coronel Chico Moreira, este, irmão do Ex-Presidente da República Delfim Moreira e, naquela época, sem dúvida, o homem mais rico do sul de minas. Conta seu biógrafo, Murilo Badaró, que “ao chegar ele [Bilac Pinto] ao Clube Literário, os recepcionistas perceberam o olhar derramado de Bilac em direção a Carminha Moreira, com quem trocara flertes esquivos durante encontros no período de férias”.

Após um breve período de namoro, o filho de modesta família se casou, no dia 22 de abril de 1933, com a filha do poderoso coronel Chico Moreira, sobrinha do Ex-Presidente da República Delfim Moreira. No trecho que exponho a seguir, Murilo Badaró relata a generosidade do pai de dona Carminha com o, agora, genro Bilac Pinto. São suas palavras: “Dizendo-se sabedor das dificuldades com que lutara João Pereira Pinto para mantê-lo estudando em Belo Horizonte e dos percalços naturais de quem está iniciando uma carreira, o coronel Chico Moreira comunicou a Bilac estar contemplando-o com um adiantamento de legítima, o suficiente para dar-lhe forças e segurança para a arrancada inicial.” O ato de generosidade do pai de dona Carminha para com o genro emocionou Bilac Pinto, que manteve com o sogro uma estreita relação de respeitosa amizade até a morte deste.

Um episódio que mostra a estreita ligação que tinha Bilac com seu sogro se reporta à perseguição do ditador Getúlio Vargas ao então deputado no momento em que este assinou um documento que chegou a abalar as hostes getulistas. Falo do “Manifesto dos Mineiros”. A resposta do regime se voltou para perseguir Bilac. Cassou suas cátedras de professor na Universidade de Minas Gerais e Universidade do Brasil. Não satisfeito com a punição, Getúlio convocou alguém que ele respeitava e admirava pelo espírito empreendedor. Esse personagem era nada mais nada menos que o Coronel Chico Moreira.

O biógrafo de Bilac Pinto assim narrou o encontro com o líder político de Santa Rita do Sapucaí e o Presidente da República: “Getúlio recebeu-o fumando um charuto, com seu habitual sorriso”, no segundo momento, após uma breve pausa, sugeriu que seu genro deveria afastar-se dos negócios do Banco da Lavoura. A atitude do Coronel Chico não poderia ser outra. Homem de reconhecida personalidade, ele renunciou imediatamente à diretoria do Banco da Lavoura, que ajudou a fundar com Clemente de Faria. Sim, Bilac e o sogro eram homens absolutamente iguais no tocante ao caráter.

As várias faces do homem público

Um olhar criterioso sobre a biografia do ministro Bilac Pinto nos possibilita distinguir a versatilidade de um homem e os múltiplos papéis por ele desempenhados ao longo de sua existência. Bilac político se notabilizou pela luta tenaz com que combateu a corrupção no serviço público. Tal como o sogro, o marido de dona Carminha foi um homem de personalidade forte, tão forte que, mesmo recebendo uma saraivada de críticas de seus correligionários, ousou apoiar causas estranhas ao partido de direita liberal, que liderava, como foi o caso da necessidade de o Brasil ter uma empresa estatal de petróleo.

Uma outra face do político Bilac se fez notar na sua preocupação em dotar o país de um salário mínimo digno para a classe trabalhadora. Mais que um homem de partido, o cunhado de dona Sinhá Moreira cultuava a democracia como reserva de valor. Sobre esse assunto, seu biógrafo revelou a sensibilidade social de seu biografado com a elevação da inflação. “Percebendo o agravamento dessa situação, Bilac apresentou seu projeto que atendia, em especial, às camadas mais desfavorecidas da população, a grande massa trabalhadora remunerada com salário mínimo.”

A segunda fase do cunhado de dona Sinhá Moreira — a do Bilac acadêmico — notabilizou-o pela inteligência, pelos livros que escreveu, pela aprovação nos mais rigorosos concursos para professor universitário dos quais participou e pela reconhecida cultura propalada por todos aqueles que tiveram o privilégio de serem seus alunos.

Na terceira face, a do Bilac jurista, ele deu seus primeiros passos na universidade, na vida profissional de advogado de prestígio para, enfim, alçar ao patamar de sabedoria ante o brilhantismo dos pareceres de sua autoria quando integrou a mais alta Corte de justiça do país — o Supremo Tribunal Federal.
A quarta fase do marido de dona Carminha, a do Bilac diplomata, foi reconhecida nos quatro anos em que exerceu o cargo de embaixador do Brasil na França. Nos tempos do general De Gaulle, o genro do coronel Chico Moreira brilhou na terra de Voltaire ao lado de auxiliares de gênio, como foi o caso daquele que foi considerado a mente intelectual mais brilhante que a direita brasileira produziu, o diplomata José Guilherme Merquior.

Por fim, a última face do filho do contador de Santa Rita se manifestou em dois momentos distintos da sua vida. O primeiro, quando adquiriu a mais importante editora de livros jurídicos do Brasil — a Forense. Para isso, teve como sócio outro mineiro ilustre, o ministro San Tiago Dantas. Bilac Pinto fez da Forense uma referência para profissionais do Direito e juristas.

O segundo momento, de empresário do agronegócio, manifestou-se quando Bilac Pinto percebeu a oportunidade de se tornar um grande produtor de soja. Para isso, ele comprou 10 mil alqueires de terra, num município distante 100 quilômetros de Brasília, Unaí, tornando-se assim um dos maiores produtores da região.

O temperamento do Ministro, Sinhá Moreira e o Vale da Eletrônica

Não poderia encerrar esta reportagem sem relatar a importância do político Bilac Pinto nos projetos que a benemérita Sinhá Moreira, sua cunhada, implementou na região.

Antes, porém, relato parte de um diálogo que tive, há alguns anos, com um amigo de longa data, desde os tempos em que residia na cidade (há mais de 40 anos). Dizia meu amigo que nunca saiu de Santa Rita (hoje ele está com 80 anos) algo interessante que reproduzo no diálogo a seguir.
— O ministro Bilac Pinto foi fundamental nos projetos educacionais de dona Sinhá, – afirmei.
— Você está equivocado, – disse ele.
— Por quê? – Indaguei.
— Não resta a menor dúvida de que dona Sinhá exerceu um papel de extrema importância para o desenvolvimento da cidade. O mesmo não posso dizer do Bilac. Ele viveu a vida inteira fora daqui.
Meu amigo tinha uma certa razão quanto ao temperamento do genro do coronel Francisco Moreira, mas estava redondamente enganado no que tange à importância dele nos projetos desenvolvidos pela cunhada.

Na biografia que escreveu sobre o estadista de Santa Rita, Murilo Badaró afirma que o marido de dona Carminha era um homem “enclausurado dentro de si mesmo”. Mais adiante, Murilo Badaró revela o modo de agir do estadista. São suas palavras: “Bilac Pinto não abria mão de certas regras em seu comportamento, fechando-se cada vez mais ao assédio à sua intimidade e limitando-se estritamente às palavras necessárias, quando no trato de algum assunto administrativo ou pretensão de partes.”
Que ninguém duvide: Olavo Bilac Pinto habita o panteão dos grandes estadistas brasileiros. Viveu tão distante e tão próximo de sua terra natal. Foi ele quem articulou, no silêncio, a fundação, em Santa Rita, da primeira Escola de Eletrônica da América Latina — a ETE. Sua enorme influência política ajudou na fundação, na sua Santa Rita, da primeira Faculdade de Engenharia de Telecomunicações do país — o Inatel. E assim Bilac Pinto e dona Sinhá Moreira plantaram as sementes que frutificaram num dos mais importantes polos tecnológicos: o Vale da Eletrônica.

Acesse este link para assistir a um depoimento de Salatiel sobre o texto.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de empresas, Mestre em energia pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de O Capitalismo Mundial e Captura do Setor Elétrico na Periferia.

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