Um olhar sobre Sinhá Moreira como você nunca viu

(Por Lourdes de Luna)

O bairro chamado Jardim Santo Antônio, próximo à Chácara Santo Antônio, pertencente à família Luna, foi aterrado anteriormente para ser transformado em um bairro de elite. Dona Sinhá, empresária e administradora de uma empresa de construção, comprou uma parte desta chácara, referente ao local onde se encontra a ETE e que tinha uma lagoa chamada Lagoa de Bicho. Este nome é porque lá existia uns jacarezinhos ou lagartinhos. Mesmo tendo aquela parte que foi aterrada chupado muita água, o local continuou sendo aterrado assim mesmo. Também foi aterrado onde hoje é o campo de futebol. A terra era tirada da Chácara Santo Antônio e levada para estes outros pontos.

Eu viajei uma vez para o Rio na companhia de Dona Sinhá, que ficou na casa da sua irmã, enquanto eu fiquei na casa de meu irmão. Também fizemos uma viagem para a Aparecida do Norte para buscar a imagem de Nossa Senhora Aparecida, colocada na Gruta da Vista Alegre. A capa daquela santa estava na verdadeira imagem de Nossa Senhora Aparecida. Minhas irmãs viajavam muito com Dona Sinhá para as Estações de Água. Ela ainda era solteira e eu era mais nova do que ela.

Quando cursou o Magistério, o curso normal, Sinhá Moreira atuou como praticante e eu fui uma de suas alunas. O dinheiro que Sinhá recebia era doado para a escola com a finalidade de ajudar os alunos pobres.

Sinhá era uma moça normal. Alegre, namorava e ia aos bailes. Seu pai construiu no quintal da casa uma praça de esportes. O ginásio da época não tinha educador físico e ele trouxe do Rio de Janeiro o profissional para dar aulas de ginástica que aconteciam nos fundos da casa. Havia quadra de vôlei, de tênis e de basquete. Cada dia era um jogo. O time de vôlei ia jogar até em Pouso Alegre.

Quando organizava festas, sempre chamava Dona Ordalina Faria, casada, escritora de contos e ótima organizadora de festas. As meninas eram chamadas de “Pontas de Lança”. Dona Ordalina e Dona Sinhá organizavam e as demais executavam. As festas eram várias: teatros, homenagens, coisas que se usava nas décadas de 30 e 40.

Sinhá era uma pessoa bem humorada, alegre, discreta, aliás, muito discreta. Pouco se soube de seu desquite. Dona Carminha já tinha outro temperamento. Era falante e despachada. Sinhá era independente e tinha o apoio total de seu pai. Tinha grande visão social e não pessoal. Dona Sinhá possuía dinheiro e o usava para executar seus planos. O gênio de Sinhá Moreira era bem parecido com o de seu pai, também calado e discreto.

Quando estava abrindo a estrada de Itajubá, eu, ela e Seu Chico sempre íamos ver, pois o maquinário da Empresa Vista Alegre estava ajudando nas obras.

Ela usava muito azul, branco e bege. Não me lembro de vê-la em vestidos de cores vibrantes ou estampados. Tinha muitos gatos angorás e cheguei a ganhar um dela.

Para todas as personalidades importantes que vinham a Santa Rita, ela organizava banquetes. Em uma dessas ocasiões, ela mandou fazer um arranjo grande, alto que, na hora do banquete, desmoronou. Uma das meninas que estava servindo foi segurar e Dona Sinhá, com a cabeça, pedia para ela não fazer aquilo. Como todas as primas iam ajudar nas festas, não lembro quem foi que fez este arranjo. Eu ficava sempre com a parte dos talheres e pratos.

O posto de puericultura tinha sido fechado em 1960 e foi reaberto, mais ou menos, em 1961. Por ser professora de Biologia, fui convidada para dirigir o posto. Então, antes da reabertura, Dona Sinhá viajou para Belo Horizonte onde foi ver as coisas da ETE e me levou para fazer estágio em um posto para saber da burocracia. Era Dona Sinhá quem mantinha o Posto, até que veio a doença dela e o local foi entregue aos cuidados da prefeitura. Foi ela quem abriu o posto, fez as devidas adaptações junto ao governo, arrumou que a prefeitura doasse 100 litros de leite e, por muito tempo, a Refinações de Milho Brasil mandava maisena, que ela comprou em 1962. Vinha da “CASP” muita farinha e fubá. Na época, tinha na dependência do posto um grande número de cobertores grandes e pequenos para as crianças. Havia também pedaços de tecidos para serem entregues com a finalidade de se fazer roupinhas. Na época do Dia das Mães e Natal, muito mais era distribuído.

Em Belo Horizonte, quando tinha compromissos referentes à ETE com o Doutor Milton Campos e demais políticos da época, eu e Sinhá saíamos à noite. Ela conseguia estes encontros políticos meio que na teimosia e o Bilac falava que eles não estavam à disposição dela. Ela retrucava dizendo que eles tinham que estar, afinal eles tinham trabalhado para que fossem eleitos, então precisavam estar à disposição para ajudar o povo. Quando as reuniões eram à noite, eu ia passear com Dona Carminha e Beatriz. Se não havia compromissos, Sinhá também ia. Certa vez, aos passarmos na Avenida Afonso Pena e ver aquele monte de rapazes, ela falou: “Ah, Lourdes, que vontade eu tenho de pegar um punhado desses moços e jogar lá em Santa Rita! Tanta moça boa fica sem casar porque não tem rapaz lá… E veio a ETE, depois o Inatel, e quanta moça casou com rapaz de fora que veio aqui estudar! O sonho dela foi realizado.

Considero que Dona Sinhá Moreira enxergava uns 100 anos à frente.
De coração, na vida pessoal, ela não se realizou muito, mas conseguiu conquistar outros sonhos. Nesta parte social, ela ajudava Santa Rita, Pouso Alegre e qualquer um de fora que viesse a ela pedir ajuda.
O pai era banqueiro, tinha visão muito grande em matéria de dinheiro e Sinhá sabia muito bem lidar com dinheiro. Naturalmente, seguia orientações dadas por ele. O Nacional, que os filhos do Magalhães Pinto puseram a perder, quem fundou foi o Senhor Chico. Era Banco Santarritense e depois se tornou Nacional. Após a morte do Senhor Chico, os filhos não quiseram ficar com a direção do Banco e o Magalhães acabou ficando.

O enterro do Senhor Chico foi uma apoteose. Veio governador, senador, representante do Presidente da República e gente do país inteiro. Ele era muito conhecido e uma dos homens mais ricos de Minas. Dona Sinhá ficou muito abalada com a morte do pai. Eles se davam muito bem, moravam juntos e tinham uma afinidade muito grande de pensamentos. Eram muito iguais. Sinhá suportou e depois se voltou mais ainda para as obras sociais. Era a filha mais parecida com ele mas, fisicamente, eles não se pareciam. Hoje, em visão de negócios, quem se parece com ele é o Carlos Henrique.

O posto de saúde foi o senhor Chico quem fez. Com a visão que tinha, na escritura determinou, ao doar para o Estado, que ali só poderia ser Posto de Saúde. Também fez o Campo de aviação e ficava lá, fiscalizando tudo de perto. Dona Sinhá levava lanche para ele e, algumas vezes, eu fui junto. Ele ficava sentado na cadeira com o guarda-chuva, olhando o maquinário e dando palpite. “Aplana mais ali… alarga mais pra lá… puxa mais terra pra lá!” Ele não era engenheiro, mas tinha visão ampla. Sinhá era do mesmo jeito! Na construção da Vista Alegre, ela via tudo de perto e palpitava na posição das janelas ou dos cômodos. Ela se interessava por aquilo que fazia e queria aprender sobre tudo.

Apesar de suas realizações, não agradava a todos e, muitas pessoas, a achavam prepotente, ditadora. Eu não a considerava assim! Achava Sinhá muito aberta a discussões e vi que ela mudava de opinião se a convencessem. Diziam que era mandona e que só faziam o que ela queria, mas ela sabia conquistar as pessoas. Uma característica formidável dela é que todas as empregadas que ficaram um tempo com ela conseguiram ter uma casa. Era exigente, sem ser autoritária. Ela tinha uma mania: sentava com uma caixinha de barbantes e ficava enrolando-os e guardando-os na gaveta, pela espessura e tamanho. Eu dizia: “Deus me livre disso!” E Dona Sinhá retrucava: “Lourdes, este é o meu relax. Eu estou acalmando os nervos! Tive um dia afobado!”

Sinhá Moreira teve muito pedido de casamento quando se separou. Era gente de fora e gente daqui. Tinha um que era indiscreto e ficava zanzando na frente da casa dela. E nos casamentos que ia, apesar de ser a mais rica, era a que se vestia mais simples. Gostava de se ver cercada de gente jovem. Gostava muito de criança. Nenhuma criança saía uma da casa dela sem um brinquedo ou um doce. Ela usava um anel que tinha uma perola branca e outra preta. Era assim, minha a querida amiga Sinhá Moreira.

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