Causos na cadeira do Tião Barbeiro (Por Ivon Luiz Pinto)

Lá estava eu novamente assentado naquela cadeira de barbeiro, olhando para um grande espelho que teimava em refletir um rosto velho e cansado. Há mais de cinquenta anos faço esse ritual. A cadeira é a mesma, o espelho é o mesmo como também é o mesmo Tião que me corta os cabelos, só a pessoa de frente do espelho que se modificou, perdeu os caracóis dos cabelos e, mais ainda, perdeu quase todos os cabelos. Cabelos que um dia foram pretos, encaracolados, hoje estão minguados e brancos como a lua que os viu caminhar em muitas serenatas.

Tião é um homem paciente. Com ele aprendi a fazer a barba com navalha e aparar o bigode. No quarto que virou Museu de tanta coisa antiga que ele contém, está uma navalha espanhola doada por esse amigo. Sempre chego para o corte desprovido de pressa, com muito tempo nos ponteiros do relógio e muita vontade de conversar. Às vezes é conversa para boi dormir e outras vezes são assuntos interessantes… uns por serem folclóricos e outros por serem históricos. Contei que domingo saímos a passear. Rita, Letícia, Luís e eu e passamos pela entrada do Brejão. Que bela recordação me traz aquele lugar que eu nem conheço, pois foi lá que nasceu o meu compadre Antônio Teixeira dos Santos. Eu zombava dele por ser desse lugar e ele me dizia que eu não podia caçoar pois era de Itajubá Velho. Muitos momentos alegres nós dois partilhamos nesta vida. Nossa amizade era tão boa que nos tornamos duplamente compadres: ele e Nilsen batizaram minha filha Irene, e eu e Rita, a sua filha Cristina. No mesmo dia, no mesmo momento e quase trocamos as filhas. Tião me conta que aquele lugar tinha antigamente o nome de Brejão da Rosa Pinto, por causa de uma fazendeira de vastas terras e que tinha esse nome. A terra era um vale alagado e frio de onde deriva o nome, Brejão, brejo grande. Fazia-se muita lavoura de arroz, extensa, enorme, e ela atraía as capivaras. O pessoal as caçava pois que ainda era permitido sua caça. A carne avermelhada e forte tinha nutrientes que ajudavam na circulação sanguínea e sua banha curava bronquites, asma e todo mal dos pulmões, assegurava a Dita benzedeira. Joaquim Félix, homem alto e destemido, era um dos caçadores, mas não caçava sozinho. Ele fez parceria com seu compadre. Faziam armadilhas com paus e assentavam uma cartucheira carregada e armada. Uma linha era esticada do gatilho até uma árvore e, quando o animal passava, era disparado o tiro. A caça era repartida entre os dois. Caçaram muito nessa parceria. Um dia a sociedade acabou. Foi quando Joaquim Félix quis ficar com toda a caça e passar a perna no companheiro. A armadilha foi feita como de costume e, à noite, às escondidas, Joaquim foi ao local para roubar a presa e nada dar ao sócio. Era noite escura, a capivara ainda não tinha aparecido e a espingarda estava armada. Ele esbarrou na linha do gatilho e o tiro foi disparado pegando sua perna esquerda. O estrago foi terrível. Ferido, sangrando, o homem se arrastou por entre a água suja do brejo contaminando e infeccionando o ferimento. Os amigos o encontraram pela manhã, caído e desacordado, na beira de um caminho. Utilizaram todos os recursos da Dita benzedeira e acabaram levando-o para o Hospital de Pouso Alegre. A perna já estava inchada e infeccionada. A solução foi amputar.
Durante muitos anos podia-se encontrá-lo pelas ruas de Careaçu, usando muletas, com um toco de perna no lado esquerdo. Se indagado, ele contava com minúcias o que acontecera naquela noite fatídica.

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