(Salatiel Correia)
Não é de hoje que a crítica especializada repele os critérios que conduzem certos personagens à condição de imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). A “pseudoimortalidade”, chancelada a cada um dos quarenta membros da casa de Machado de Assis vem, ao longo do tempo, corporificando o jeitinho brasileiro de ser e que só afugenta o valor literário em prol do bom relacionamento político. Resultado: escritores de inegável talento e detentores de obras consistentes, como é o caso de Nélida Piñon, Ignácio de Loyola Brandão, encontram-se num mesmo patamar (mesmo que institucionalizado) de autores sem obra, como é o caso do jornalista Merval Pereira. Este, segundo me consta, tem dois livros resultantes da mera compilação de artigos que escreveu ao longo de sua vida profissional. Um imortal que expressa um bom exemplo de que quantidade não é qualidade é o ex-presidente José Sarney. Com mais de 50 livros publicados, o ex-presidente do Senado Federal já se acostumou às constantes críticas pertinentes à qualidade de seus escritos literários. Posto isso, vejamos alguns exemplos interessantes de grandes escritores cuja entrada na Casa de Machado de Assis foi dificultada por picuinhas internas ou, até mesmo, o caso de grandes homens (e mulheres) de letras que simplesmente ignoraram a academia.
O maior escritor brasileiro do século vinte, o mineiro João Guimarães Rosa, teve muita dificuldade de ser aceito como membro da ABL. Só conseguiu adentrar na Casa de Machado de Assis na terceira tentativa. Resultado: a academia livrou-se de passar um vexame pelo fato de Guimarães Rosa falecer uma semana após ter tomado posse. Imaginem com que cara se apresentaria a Academia Brasileira de Letras ao mundo sem ter entre seus membros o autor da mais importante obra universal escrita por um brasileiro. Falo de “Grande Sertão: Veredas”.
Outro que teve três vezes sua entrada recusada na ABL foi um dos maiores poetas brasileiros – o gaúcho Mário Quintana. O não aceite desse grande poeta se constituiu numa das maiores mágoas que o autor de “Poesia Marginal” levou para o túmulo.
Cientes de seus valores literários, grandes escritores nunca deram bola para a fogueira de vaidades acadêmicas. Esse foi o caso de nosso poeta maior, o mineiro Carlos Drummond de Andrade; do imortal de verdade, Érico Verissimo; da talentosa Clarisse Lispector; ou do “vampiro de Curitiba”, Dalton Trevisan.
Comungo com a crítica de que os critérios de entrada na Casa de Machado de Assis foram paulatinamente ampliados, assim, permitindo que o jeitinho brasileiro, expresso pelo ter bom relacionamento político como critério de entrada na ABL, fosse decisivo para as enormes injustiças cometidas contra grandes intelectuais, cuja imortalidade institucional deveria ser chancelada pela academia.
A imortalidade institucional é um detalhe que se dilui no oceano do valor literário de grandes escritores, que jamais deram importância em ser membro da Academia Brasileira de Letras. Decididamente, tomar o chá das cinco nunca fez parte da vida produtiva de grandes escritores cujas obras falam mais alto que meras formalidades que só chancelam nulidades.
Salatiel Soares Correia é Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Ciências pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de Cheiro de Biblioteca.