Consta no acervo do Museu Histórico Delfim Moreira um baú de viagem que pertenceu ao Capitão João Antônio Dias, oficial do exército português. Segundo contou Cyro de Luna Dias, ele foi um dos fundadores de nosso povoado e pai de Antônio Paulino, primeira pessoa a nascer nessas terras, após a colonização portuguesa.
Apesar de sua relevância histórica na formação do povoado, poucas pessoas têm conhecimento de suas atividades. Através das descrições do historiador Ideal Vieira, registramos um pouco de suas aventuras e iremos contar um fato inusitado envolvendo uma de suas viagens.
O capitão tropeiro
Capitão João Antônio Dias havia criado, através da sua maneira de atuar, o nosso primeiro comércio de exportação e importação. Exportávamos os nossos produtos agrícolas, enriquecidos com o “Chá da Índia” e importávamos alguns produtos manufaturados, tais como: tecidos, armarinhos, enxadas e artigos empregados na lavoura.
Aqui vale uma interrupção do texto:
As viagens eram muito longas, levavam meses e eram feitas no lombo de burros. Para tornar o empreendimento ainda mais complicado, havia montanhas com matas densas e caminhos difíceis de serem vencidos. Por conta disso, os tropeiros de nossa região optavam pelo transporte do chá e do fumo. As folhas eram mais leves e fáceis de serem transportadas. É por causa disso que existe um ramo de fumo no centro do brasão de Santa Rita do Sapucaí, debaixo da inscrição Angulus Ridet, como vemos abaixo:
Nota-se que a ilustração é ladeada por ramos de café, base da agricultura local, a partir do final do século XIX, quando a ferrovia chegou à nossa região. O mesmo podia ser notado na bandeira do Brasil Império, com a diferença de que o café substituiu a cana, que existia na primeira bandeira brasileira.
Voltando ao texto…
João Antônio Dias foi o primeiro caixeiro viajante que, naquele tempo, era conhecido como “Comissário” ou “Cometa”. Conta-se que o seu comércio se tornou tão próspero e rendoso, que ele elevara o número de muares de sua tropa a cerca de duzentos, tocando pelas nossas “estradas”, até atingir a Corte ou São Paulo.
Uma trajetória pessoal que se entrelaça com a história do Brasil
Desde a Inconfidência Mineira, que levou Tiradentes à morte por enforcamento e que impôs severas punições aos mineiros, a nossa região tornou-se muito arredia. Havia uma grande resistência aos pensamentos conservadores do príncipe e do partido, que transformaram Minas Gerais em um grande reduto liberal.
Revolução Liberal
Em 10 de junho de 1842, estourou a Revolta de Barbacena, cuja Câmara aclamou presidente interino de Minas Gerais, o Coronel José Feliciano, futuro Barão de Cocais. Ele tomou diversas medidas administrativas e, com isso, várias cidades aderiram à revolução. Ouro Preto resistiu, sob a liderança do presidente legal, Bernardo Veiga, que bateu os revolucionários em Mendanha (em 23 de junho) e Presídio (em 25 de junho), o que estimulou uma certa reação.
Apesar disso, os revolucionários dominavam a parte mais populosa de Minas Gerais e as comunicações com o Rio de Janeiro. Fortificaram-se em Queluz (Conselheiro Lafaiete) e fizeram de São João Del Rei a sua capital. Decidiram que conquistariam Ouro Preto com as forças de Baependi, São João Del Rei e Barbacena, após se unirem ao forte das forças revolucionárias em Cataguases.
Foi quando tiveram conhecimento de uma pacificação ocorrida por Caxias em São Paulo, o que provocou a diminuição da euforia inicial.
A chegada de Caixas
Caxias chegou a Ouro Preto em 6 de agosto para pacificar Minas Gerais. Sua fama fez os revolucionários desistirem de atacar Ouro Preto e evacuarem Queluz. Divergências começaram a dividir os revolucionários, que se dirigiram para o leste e conquistaram, com pouca luta, Sabará, em 13 de agosto. Ali, procuraram negociar uma rendição condicional, que não foi aceita.
Em 20 de agosto, aconteceu o combate de Santa Luzia, no qual 3300 revolucionários foram vencidos, com grandes dificuldades, pelas forças legais. Com a vitória de Caxias em Santa Luzia, teve fim a Revolta de Barbacena, que durou dois meses e dez dias e que causou sérias preocupações à Corte, por sua consistência militar.
Mas o que esta história tem a ver com João Antônio Dias?
Reza a tradição que, numa das viagens empreendidas pelo Capitão João Antônio Dias, ele acabou cruzando com o poderoso exército do então Barão de Caxias, sendo apreendida toda a sua carga e requisitada, também, a sua numerosa tropa.
Protestando por este ato, o tropeiro pediu para que fosse levado à presença de Caixas, a quem exibiu a sua patente de Capitão. Tal gesto foi, então, considerado pelo Comandante em Chefe, que ordenou a devolução de tudo o que havia sido apreendido por suas forças militares. João Antônio Dias juntou as suas coisas, reuniu a tropa e prosseguiu com a travessia. É por conta deste episódio que o seu baú de viagem teria sido recuperado. Ela encontra-se, hoje, sob os cuidados do Museu Histórico Delfim Moreira e pode ser apreciada em exposições temporárias que acontecem no local.