Obra literária coloca Santa Rita do Sapucaí no mapa da cultura Geek (Por Rodrigo Ferreira)

Resenha extraída do site Nerd Geek Feelings

“Conexão Hirsch”, o romance de estreia de Carlos Romero Carneiro não tem uma premissa totalmente original, mas tem o mérito de ser executado com sofisticação no que diz respeito às descrições que ele fez das “projeções holográficas” que se formam diante de Gabriel, saídas do passado de Capituva, a cidade onde nasceu e na qual trabalha como jornalista.

A ideia de um jornalista fascinado – e um tanto obcecado – com o passado de sua cidade natal, que usa seu poder de absorver os fluidos que carregam consigo as histórias de cenários e objetos, a fim de escrever relatos detalhados de acontecimentos ocorridos décadas antes de nascer, é uma ótima sacada.

Mas, como apreciador de ficções científicas, Carlos não parou por aí e extrapolou as possibilidades do uso dos poderes de Gabriel, incluindo um mistério envolvendo uma das histórias a que teve acesso, e uma tentadora possibilidade que desafia as crenças do rapaz e a ética de seu trabalho como jornalista e historiador local. É desta história em particular que saiu o título do livro, e gerou seu conflito central.

Apesar de envolver viagens no tempo, eu não classificaria Conexão Hirsch como uma ficção científica. As viagens realizadas por Gabriel e Amarante – seu professor e guia – não dependem do uso de tecnologia, mas de sua capacidade de “decodificar” os fluidos e enxergar as histórias que eles contém. Portanto, creio que ela está mais pra uma fantasia urbana de época.

Um dos maiores diferenciais da obra são os elementos comuns à vida de quem morou no interior de Minas Gerais pelo menos até o finalzinho dos anos 80 e início dos 90 (meu caso). Bolo de fubá, queijo, café, o clima nostálgico de um tempo mais ingênuo e menos dependente de alta tecnologia e eletrônicos. Carlos viveu tudo isto e quis passar adiante sua experiência, registrá-la, e dividi-la com quem também testemunhou ou viveu cenas parecidas, usando uma roupagem de ficção que tornou tudo isto mais atraente.

Outro detalhe que se destaca é a trama ambientar-se na década de 1970, o que já leva o leitor numa viagem de volta ao passado de uma fictícia cidade do interior de Minas Gerais (baseada no município mineiro de Santa Rita do Sapucaí), com todas as limitações tecnológicas existentes há mais de 4 décadas. É neste ponto que reside boa parte do aspecto nostálgico da obra. Pra mim foi inevitável lembrar de Donnie Darko, filme cuja história também trata de viagens no tempo, e ambienta-se em meados da década de 1980, embora seja uma produção lançada em 2001.

Mas, voltando à Conexão Hirsch, são fascinantes os trechos nos quais cenas de épocas distintas ocorridas no mesmo local se sobrepõem num só ambiente aos olhos de Gabriel. Carlos conseguiu descrever estas sobreposições temporais de maneira elegante, dando o mínimo de ordem ao caos sensorial experimentado pelo protagonista, evitando que ficássemos perdidos demais durante a leitura.

Outra boa ideia foi definir que os fluidos podem viciar quem tem a capacidade de enxergar o que eles carregam em si, um ponto explorado através de Amarante. Também chama atenção quão parecido é o poder dele e de Gabriel com a mediunidade descrita pela Doutrina Espírita de Allan Kardec. Ela também descreve a influência de fluidos presentes no ambiente sobre os encarnados e os desencarnados. Mas este foi só um paralelo que chamou minha atenção, pois o autor não quis entrar na questão da vida após a morte. No livro, os fluidos são tratados como fragmentos de informações armazenadas em determinados lugares e objetos (um conceito semelhante àquele descrito por Pat a André no livro O Caminho do Louco).

Gabriel chega a conjecturar sobre o quanto os fluidos que ele decodifica como visões do passado influenciam o comportamento das pessoas que não têm seu poder. A hipótese que ele levanta é bem parecida com a descrição do efeito de espíritos obsessores sobre encarnados. Gabriel chega a estabelecer a relação entre a sintonia dos sentimentos mais profundos e a “frequência” das emanações fluídicas que afetam determinada pessoa. E os paralelos não param por aí. Enquanto Gabriel e Amarante veem “fantasmas” do passado, Hirsch enxerga Gabriel como um “fantasma” do futuro. Cria-se, com isto, uma dinâmica muito peculiar, em que passado e presente conversam e influenciam-se sutilmente, prometendo implicações maiores.

O desfecho de Conexão Hirsch é tão elegante quanto sutil na resolução do conflito central que move a trama. Carlos soube amarrar as pontas soltas sem apelar para soluções complexas. No fim, nos damos conta de que experimentamos uma jornada pelo passado de uma cidade pequena do interior de Minas Gerais, sob o prisma de uma viagem mais espiritual do que física através do tempo. Esta é a história de homens com o dom de ver o passado, tentados com a possibilidade de alterá-lo, carregando em suas consciências o peso da responsabilidade de afetar o curso de múltiplas histórias pessoais, caso cometam um erro de cálculo, ou realizem uma alteração mal planejada no curso dos acontecimentos de seu microverso, semelhante às confusões paradoxais causadas por Marty McFly e o Doutor Emmet Brown na trilogia De Volta Para o Futuro.

Em Conexão Hirsch temos Gabriel e Amarante formando a dupla de aluno e professor, companheiros de jornada ligados um ao outro pelo dom de viajar no tempo usando uma espécie de “retrocognição” para ler as memórias de Capituva, que é tão personagem da trama quantos os protagonistas dos registros vívidos deixados por aqueles que já deixaram de ser. Gabriel é testemunha de que, não importa quão pequenos somos, deixamos marcas no espaço e no tempo.

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(Resenha produzida por Rodrigo Ferreira para o NerdGeek Feelings. https://nerdgeekfeelings.com)

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