O Balaio

João de Barro

É uma das regiões rurais mais bonitas e interessantes de Santa Rita do Sapucaí. Vale percorrer a estrada que passa pela Cruz das Caveiras. Reza a lenda que, no local, três jovens foram mortos por um monstro, há centenas de anos. Atualmente, há uma igrejinha pitoresca que vale a pena conhecer. E um grande crucifixo de madeira, que, junto à natureza do local, forma uma linda paisagem. Logo adiante, há uma casa, onde funcionava uma antiga venda, que mais lembra uma vila da toscana. É imperdível. Seguindo adiante, você pode ver alguns casarões coloniais, bem conservados. Um deles, dizem, é onde a Princesa Isabel se hospedava quando vinha à região. Outro atrativo é almoçar em algum restaurante de fazenda nos finais de semana. Totalmente rústico e nada comercial, o Bar do Juarez é frequentado pela população rural do próprio balaio e oferece a típica comida mineira. Um ótimo passeio para fazer tanto de carro quanto de bicicleta.

A lenda da cruz das caveiras:

Um conto de Cônego  Carvalhinho, retirado da obra “O Menino do balaio”

Cumprindo a minha missão de padre e pastor de almas, um dia fui visitar a capelinha da Cruz das Caveiras. Perguntei a um velho morador daqueles sítios, porque o nome tão lúgubre, se o lugar era lindo, descortinado e ensolarado, vendo-se ali tão belos horizontes, tanto para o lado da cidade, como para a região da Capituva e às margens do Sapucaí, todo enfeitado de chorões. Seu nome bem que podia ser “Lindo Horizonte”, “Verdes Planícies”… O caboclo, de pronto, me deu a resposta:

– Num vê, seu Conde, que foi o bicho da Lagoa, o minhocão, que Deus me livre dele e do seu bafo, quem fez isso tudo?

– Como assim? Fez isso tudo o quê? – Perguntei.

E o Zé dos Anzóis iniciou um história comprida, que tentarei resumir agora.

A lenda

A cruz não era apenas de uma caveira, mas de três ali encontradas, há muitos anos, quando se derrubou a mata, a fim de que pudesse abrir lavoura. Desde então a lenda teve início.

Três jovens vieram de muito longe, a pé, e tentaram atravessar o rio Sapucaí. Por isso, tentaram encontrar o lugar mais estreito do rio, em frente a uma lagoa que e-xistia do outro lado. A pressão das águas do ribeirão do Mosquito – na outra banda do Sapucaí – era tanta que um banco de areia e pedregulho descidos da serra, tornava o rio mais estreito naquele lugar. Bem à frente, do outro lado do rio, havia uma lagoa profunda e lamacenta.

Os rapazes, um a um, calcularam a força da correnteza, mediram a distância à outra margem, tiraram suas roupas, amarraram seus pertences em volta do pescoço e se atiraram de ceroula nas águas do Sapucaí.
Que delícia! – disse um deles – Parecia até que algumas ninfas os arrastavam em direção ao outro lado, facilitando a travessia. Quando chegaram à outra margem, os rapazes deitaram-se no alvo banco de pedregulhos e ficaram esperando, sem pressa, até que seus corpos e seus pertences secassem ao sol. Enquanto isso, deixaram que seus pés repousassem dentro da lagoa límpida. Dormiram.
Algum tempo depois, um a um, foram sendo arrastados por uma força violenta ao fundo da lagoa.  Lá, junto ao lodo, um bicho peçonhento enrolou-se neles. Os jovens travaram um luta horrível e desigual com a enorme fera. Quando já se encontravam quase mortos e entregues pelo cansaço, os rapazes notaram que estavam novamente deitados naquele banco de areia, onde tiveram que passar o resto da noite, entre dores pelo corpo todo e uma febre altíssima. Nem puderam dormir, já que tinham em mente a nítida lembrança da luta terrível que travaram com o bicho peçonhento, no fundo da lagoa.
Ao amanhecer, intrigados por não terem no corpo um ferimento sequer, mas sentindo-se  moídos em seus ossos, massacrados em seus nervos e com o sangue a ferver em suas veias, os três jovens arredaram dali e seguiram o caminho da Capituva, até as proximidades da Serra. Trôpegos, capengando pelos caminhos, chegaram com muito custo a uma colina que lhes pareceu o único local preparado para morrerem em paz, já que não lhes restava mais forças para continuarem a viagem. Sem condições de alcançar o destino que os esperava, eles entraram na caatinga, avançaram alguns metros adentro até atingirem um parque acolhedor de frondosas caneleiras e esperaram a morte chegar. Naquele ermo, a agonia dos três durou uma noite inteira. Passadas algumas horas, morria o primeiro. Os outros dois, se abraçaram ao cadáver ainda quente do companheiro e deixaram esvair seus derradeiros sinais de vida.
Ninguém jamais teve notícias dos três jovens infortunados. Nem se atreveram a procurar. Também pudera, a região do Balaio até a Lagoa do Bicho era um sertão de meter medo no mais corajoso dos homens e, por aquelas bandas, dificilmente transitava um filho de Deus. Ninguém apareceu para transmitir notícias dos infelizes mortos nas proximidades do Balaio.Muitos anos depois, os moradores da nova Capituva resolveram plantar ali na banqueta um cruzeiro e construir uma capelinha dedicada à Nossa Senhora. Ao derrubarem as árvores e arrastarem algumas pedras, encontraram juntinhas 3 caveiras em meio às ossadas, todas no mesmo lugar. Junto deles, havia uma tira de couro com a história contada nos mínimos detalhes. Desde então, surgiu a lenda. As 3 caveiras passaram a ser conhecidas como as dos 3 jovens que o monstro da lagoa havia ferido de morte e o local da tragédia, por mais que se procurasse evitar, passou a ser conhecido, até hoje, como a Igreja da Cruz das Caveiras.

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