Conte-nos sobre a rua do Bepe
Na rua Genoveva da Fonseca, existia uma olaria que pertenceu o senhor Bepe Murano. Ele fabricava tijolos. Quando comprei este terreno (Benedito morava naquela rua), precisei colocar 400 caminhões de terra e cobrir o buraco feito para a retirada do barro. Aqui não tinha rua, só uma porteira na esquina da rua da Pedra.
Como era a Rua da Pedra?
Não tinha nada. Nas redondezas da rádio, havia o comércio do senhor Brandão que chamávamos de “Secos e Molhados”. De lá até a pracinha, devia ter, no máximo, umas 15 casas. Em frente ao açougue do Celsão, havia um ponto de pouso de boiadeiros, de propriedade do senhor João Pelonha. Naquele tempo, era preciso dormir no caminho ou nesses pontos para tropeiros. Eu cheguei a dormir 15 dias em uma ponte em Guaratinguetá, junto com o gado.
Como era o seu trabalho?
Comprávamos gado e íamos vender para os frigoríficos. Como não havia caminhão, tocávamos a boiada. A gente passava por muitas propriedades até chegar ao destino e, de vez em quando, era preciso contar o gado para ver se não havia ‘ficado boi na ribada’ (perdido pelo caminho).
Acontecia muito estouro de boiada?
Ouvi muitos casos de boiada estourar por causa do latido de cachorro. O estrago era tão grande que chegava a derrubar uma casa. Comigo nunca aconteceu, mas tivemos que cercar o gado, muitas vezes, para não invadir bares e propriedades.
Mais tarde, o senhor trabalhou com açougue?
Comprei o meu primeiro açougue no antigo Mercado. Além do meu, havia mais. Por dentro, era tudo muito simples. Só tinha uma barrinha de azulejo na parede. As nossas máquinas eram todas manuais. Em torno do prédio, em uma espécie de varandinha, ficavam os vendedores de pastéis, peixes e outros produtos.
O senhor teve açougue em outros lugares?
Tive um açougue em frente ao antigo bar do Didi. Ficava no mesmo local onde o senhor Hercílio montou um salão de barbeiro. Um fato interessante é que, na época, quando a gente vendia uma peça de alcatra, não podia vir um pedaço de picanha no meio (a picanha é a capa da Alcatra) porque, senão, as pessoas não queriam levar. Como ninguém comia, eu era obrigado a vender carne moída de picanha. Hoje, a picanha custa mais caro do que a alcatra.
Como foi a sua infância?
Eu morei na região do vintém, depois do Mato Sanico. A vida era muito sofrida, naquela época. Com 8 anos, eu tinha que me levantar às 3 horas da madrugada, esperar o meu irmão tirar o leite, colocá-lo em garrafas e vir vender na rua Nova, no bairro do Matadouro e na rua do Queima. Quando eu terminava de vender, voltava para a roça, almoçava e vinha para o Grupão (E.E. Dr. Delfim Moreira) estudar. Eu andava a pé e descalço. Os primeiros calçados que eu usei foi aos 16 anos de idade. Na minha sala quase ninguém calçava sapatos.
O senhor levava merenda de casa?
Na rua da Pedra havia uma padaria e meu pai me dava 200 Réis para comprar merenda. Uma vez, entrei no estabelecimento e veio uma mulher para me atender. Pedi um bolachão e, quando fui entregar o dinheiro, ela disse que eu já tinha pago. Na verdade, tinha mesmo uma moeda em cima do balcão, mas sabia que não era minha. Ela insistiu que estava certo, mas fiz questão de pagar. Quando cheguei em casa, o dono da padaria havia contado para o meu pai o acontecido e ele falou: “Esse foi o maior presente que você me deu na vida!”
A vida era dura no início?
Quando eu me casei, fiz uma casinha de pau a pique, com chão de terra, sem qualquer mobília. Trabalhei na enxada para muitos fazendeiros e ganhava 4 “merréis” por dia. Era o preço de um quilo de toucinho. Comecei a criar animais para comer, outros para vender e ganhar um dinheirinho. Na época, levava cerca de 60 porcos para Natércia. Ia tocando estrada afora e vendendo pelo caminho. Levava 2 dias para chegar. Era difícil mas, graças a Deus, deu tudo certo.