“Tu nunca mais vais voltar para o Brasil deste jeito!”. Assim profetizou o ex-governador dos dois Rios — o do Sul e o de Janeiro — a seu cunhado, então presidente da República — no momento de maior acirramento da luta ideológica entre a direita e a esquerda em torno da deposição do único presidente a morrer no exílio: João Goulart, também conhecido pelo codinome de Jango. Era 1964. O presidente titubeava diante da iminente tensão.
Quem viveu e leu a respeito do que ocorreu naquela época bem sabe que a deposição de Jango fez parte do processo de adiamento, desde 1954, do golpe que veio a ocorrer dez anos depois. O motivo desse adiamento se deve à última cartada que deu a velha raposa chamada Getúlio Vargas à UDN, que queria, a todo custo, derrubá-lo: o suicídio.
Desde Getúlio, a luta ideológica travou-se de maneira acirrada. E tornou-se mais intensa ainda no momento em que o vice-presidente de Jânio Quadros, identificado com as reformas de base, assumiu de fato o poder.
O interessante a ressaltar é o fato de, mesmo Jango sendo um dos homens mais ricos do Brasil (na época, o maior agropecuarista do rico Rio Grande do Sul), ter tido reais compromissos com o legado do getulismo. Foi adiante em uma causa que muito se identificou com as esquerdas. Falo da Reforma Agrária.
Na sociedade brasileira daquela época, fervilhavam movimentos sociais de expressão como é o caso da União Nacional dos Estudantes e o movimento das ligas camponesas. Greves, como a revolta dos marinheiros, aliadas a comícios incendiários, como o ocorrido na Central do Brasil, do qual Jango participou, contribuíram para elevar a temperatura política. Além disso, vale ressaltar o contexto internacional no qual se viam vitoriosos os ideais socialistas da Revolução Cubana e a vitória das esquerdas num dos países mais desenvolvidos da América Latina: falo do Chile do então presidente socialista Salvador Allende. Resultado: o medo de que o comunismo chegasse ao Brasil acabou levando os Estados Unidos a apoiarem o que mais queria a direita brasileira desde os tempos de Getúlio: o golpe. O golpe calou as instituições e os efervescentes movimentos sociais daquela época. Nesse contexto, Jango seguiu para o exílio do qual só voltou morto – para ser enterrado na sua São Borja natal.
Passado mais de meio século do acontecido, o Brasil se defronta com um novo momento que muitos insistem em comparar com 1964, mas que não é: a deposição da presidente Dilma Rousseff. Nada mais irreal. Vejamos o porquê.
Quem pensa assim desconsidera por completo o fluir da história. O momento político é outro. Vivenciamos, hoje, no Brasil, o Estado Democrático de Direito que permite que instituições como a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o Poder Judiciário se expressem. Inexiste o calar das instituições como ocorreu nos tempos de Jango. Se deposta for a presidente, essa deposição será o resultado do falar das instituições que representam a sociedade e que prescrevem a Constituição do país. Não será como 1964, que se tornou realidade ante a vontade unilateral do autoritarismo. Os tempos são outros. Em 1964, ocorreu um golpe; em 2016, a queda de Dilma não foi.
(Salatiel Soares Correia é Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Planejamento Energético. É autor, entre outras obras, de A Construção de Goiás.)