Continuo tendo saudades (Por Ivon Luiz Pinto)

Tinha levado o carro ao Lava Jato, o de lavar o carro, não aquele de Moro, e encontrei o amigo. A conversa rolou num clima saudosista relembrando a Santa Rita de outros tempos. Fazia tempo que não nos víamos e travamos uma conversa gostosa, sadia e cheia de saudades. Tudo começou quando abordamos a montagem da árvore genealógica da família do amigo e a conversa, como ave liberta da gaiola, foi para as terras ensolaradas e perigosas de Tel Aviv onde seu filho tinha ido prestar serviços para a empresa israelense a que pertence. De lá pegamos carona na cauda de um cometa e voltamos ao Brasil para falar de política e de vida social e acabamos por falar de Santa Rita, nossa cidade querida. Concordamos ser injusto a pessoa ter que ir para Pouso Alegre a procura de hospital em razão do nosso não ter condições de atendimento. Houve época em que o processo era inverso. Tínhamos um dos melhores hospitais da região e que era tão bom que nele se fez cirurgia de transplante de coração. Coisa fina. Hoje, só é feita cirurgia de baixo risco. Relembramos os médicos do antigo hospital, as enfermeiras e irmãs de caridade que ali serviram devotadamente. E a conversa foi escorrendo pelo túnel do tempo como se fosse um rio que corresse para trás. Fincamos a saudade no antigo mercado, no comércio de peixes que existia lá no centro dele, junto ao chafariz de ferro. Fieiras de peixes presas pelas bocas em cipó, sendo vendidas no mercado e nas ruas. Crianças iam aos sábados e domingos para carregar as cestas de compras, ganhando com isso um dinheirinho. As pastelarias encostadas no barranco onde hoje se ergue uma gruta perto da atual Papelaria Chromos. No final estávamos e rever a esquina da rua onde moro. A banca de frutas de seu Elias, avô desse amigo. Dona Rosa, mãe do Elias era quem mais ficava no comércio. Muitas e muitas vezes mandei meus filhos comprar bananas que eram vendidas por dúzias. De noite, comércio fechado, sentávamos na soleira das portas para conversar e ver as crianças brincar numa rua calma e deserta. Não havia televisão chamando para as novelas. A conversa na calçada fluía alegre e amistosa. Do outro lado da esquina vivia o seu Quequedo, tio de minha esposa, e que muito raramente participava das conversas. O amigo Roberto sentenciava que tinha saudades daquela época. Saudades da cidade calma em que se podia caminhar à noite sem medo de ser molestado. Esta cidade, disse ele, era uma grande família, todos se conheciam e se respeitavam. O progresso chegou, amontoou as casas e distanciou os corações. As ruas foram calçadas e depois chegou o asfalto espalhando um pó fininho que adere aos móveis e roupas transtornando a limpeza das casas. Cheia de nostalgia a conversa durou tempo precioso e nós não tínhamos coragem de pôr fim. Após várias tentativas de nos despedirmos, resolvemos ir cada um para sua casa. De longe, ele me acenou e gritou “ Continuo tendo saudades..”

1 COMENTÁRIO

  1. Mudei para Santa Rita em 76 e voltei para SP em 1989.
    Minha mãe einda ficou em SRS até 2005.
    Então acompanhei de perto as mudanças que ocorreram na cidade.
    Para mim, foi um choque tremendo sair de SP e desembarcar com mala e cuia em uma cidade de 16 mil habitantes. Estavamos acostumados com a loucura de SP e estranhamos muito a calmaria de SRS. Mas nos adaptamos muito bem. Estranhavamos ter horario para comprar pão (a padaria do Paduan funcionava um periodo pela manhã e outro pela tarde), a falta de variedade de verduras e legumes e o horario de funcionamento do comercio em geral. Mas o resto compensava. Muitos amigos eu fiz na cidade, tive uma educação muito boa, sendo inclusive aluno do colunista, enfim, foram 12 anos (vivi um em BH) bastante felizes, mas fico triste com a situação atual da cidade, pricipalmente na questão de segurança. É inadimissivel uma cidade de pouco mais de 40 mil habitantes ter esses indices de violencia.
    Vou pouco para aí, mas SRS ainda mora no meu coração.

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