Cidades do interior

(Por Salatiel Correia)

A vida nas cidades do interior tem um fluxo diferente daquele dos grandes centros urbanos. No interior, as identidades são mais evidentes. Famílias se conhecem e convivem num mesmo jeito de ser, sentir e solidarizar-se uns com os outros. O Zé do açougue, o Ico da barbearia, a Ditinha da loteria, o Chico do Bilac. E, assim, pessoas são identificadas pelo seu ofício ou por ser filho de fulano ou beltrano. O poeta maior Carlos Drummond de Andrade bem colocou, nos seus versos, que, no interior, “um homem vai devagar, um cachorro vai devagar, devagar as janelas se fecham”.

Durante alguns anos de minha vida, vivi em pequenas cidades. Na minha primeira infância, como filho de um juiz de Direito, acompanhando a carreira de meu saudoso pai, morei em Pedro Afonso e Miracema do Norte, antigamente, Goiás, hoje, cidades tocantinenses. Vivi também na goiana Luziânia, bem perto de Brasília. Anos mais tarde, no sair da adolescência, fui lá eu cursar engenharia no Instituto Nacional das Telecomunicações, numa pequena cidade do sul das Minas Gerais: Santa Rita do Sapucaí. Terra de gente ilustre como o ex-presidente da República Delfim Moreira e dos ex-ministros do Supremo Tribunal Federal, Bilac Pinto e Francisco Resek. Depois, fui fazer o mestrado numa cidade grande do rico interior de São Paulo – Campinas. Cidade grande, não urbana, nada parecida com interior, pois tem mais de 1 milhão de habitantes.

Por fim, tornei-me um homem definitivamente dos grandes centros urbanos. Por muitos e muitos anos, não retornei a esses lugares onde vivi. Em Pedro Afonso e Miracema, no Tocantins, não voltei por uns quarenta anos. Em Luziânia, nunca mais retornei. Em Santa Rita, fiquei sem lá pôr os pés umas três décadas. A vida funciona mais ou menos como um rio que corre, no qual as águas passadas se tornam lembranças.

Décadas depois, retornei às, ainda pequenas, cidades de Pedro Afonso e Miracema. Lá chegando, vieram-me vagas recordações de um passado muito distante. Fora a magia do Rio Tocantins, veio a recordação da casa do saudoso seu Américo da farmácia. Em Pedro Afonso, ainda estava lá aquela casa perto do antigo aeroporto do nosso vizinho, de quem tão boas lembranças me vieram à memória, um grande estadista do Tocantins: o saudoso doutor Souza Porto. Lá, no mesmo lugar, morava até pouco tempo antes de falecer dona Regina, companheira de toda vida do grande político.

Ao retornar a Santa Rita, veio-me aquela junção do passado que se fez presente. Revi colegas engenheiros de todas as partes do Brasil que lá foram comemorar o cinquentenário da escola. Fiz questão de rever antigos habitantes da cidade que estavam lá com seus cabelos embranquecidos. O Élcio da Casa Marques; a lanchonete do Modesto; a casa da mãe do ministro Resek; a praça onde os jovens casais enamorados ou candidatos iam para arrumar uma namorada. Lá faziam o vaivém depois da missa. Moças de um lado, rapazes no sentido contrário. Daí vinham os flertes, namoros e casamentos. Coisas típicas das cidades pequenas. Tudo estava lá como se o tempo não passasse. Um misto de tristeza e alegria me veio ao unir a viva flor de minha infância e juventude com a senectude que começa a embevecer-me nesta fase da minha passagem por este mundo. Apesar de o sertão ter virado mar, o Brasil rural ter se tornado urbano, a vida no interior continua a de sempre: acolhedora e solidária.

Salatiel Soares Correia é Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Energia. É autor, entre outras obras, do livro A Energia na Região do Agronegócio.

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