As velhas festas juninas da pracinha da Rua da Pedra

(Carlos Romero Carneiro)

Desembarquei em uma noite fria. Último dia de outono. Vinte de junho de 1986. No início da Antônio Teles, havia um movimento de pessoas para realizar a quermesse em louvor a São João. O aroma do vinho quente e do quentão se misturava ao da pipoca que acabava de saltar da panela. Havia um cheiro doce no ar. A pracinha da Rua da Pedra, toda enfeitada com bandeirinhas e balões, ganhava vida com a chegada de pessoas de todos os cantos. Crianças corriam de um lado a outro. Algumas fantasiadas para a quadrilha, outras vestidas de criança. Assim que o pau de sebo foi erguido, com um embrulho de trocados no topo, uma roda formou-se em torno da atração adornada por garotos que se lambuzavam, para tentar agarrar o prêmio. Bandejas com comidas típicas chegaram às barraquinhas de bambu sobre as calçadas. Havia broa, bolo de milho e cachorro quente. Em frente a uma das casas, um homem magro, de chapéu e bigode, acendeu a fogueira com destreza. O som de canções juninas ganhou força, ocupando todas as frestas daquele espaço. Pessoas conversavam, cumprimentavam amigos de longa data e davam risadas extravagantes. Os bambus usados para ornamentar o ambiente, emprestavam uma aparência saudosista e bucólica à quermesse preparada pelos orgulhosos habitantes do bairro.

Um caminhão apinhado de moradores das bandas do Bom Retiro estacionou na curva, pouco antes do festejo. Desceram mulheres com seus vestidos estampados, homens com volumosos chapéus e crianças ansiosas pelas atrações. A maioria correu para a barraca de pescaria, montada na esquina. Um dúzia de peixinhos feitos de papelão recortado estavam mergulhados na piscina de areia e eram disputados por dois meninos franzinos, com varinhas e anzóis de arame. Um deles vestia uma camiseta surrada da seleção, o que me fez lembrar que, no dia seguinte, o Brasil perderia nos pênaltis para a França de Michel Platini. Ao fundo da barraquinha, as prendas. Brinquedos de plástico, estalinhos, pequenos chaveiros e alguns chocolates com aquela parafina que gruda no céu da boca.

No início da noite, já não havia nada estático nos arredores da pequena praça. A dupla de violeiros cantava uma velha moda sobre a queda da ponte. O brilho alaranjado da fogueira atraía crianças e velhos friorentos, enquanto uma menina com vestido de chita era surpreendida por uma moça com uma cesta de cartinhas de amor. Ela recebeu a mensagem, ensaiou um sorriso ornamentado por sardas de mentira e olhou ao redor, tentando descobrir o autor. Bem ao lado, um homem com a boca escavada pela falta dos dentes, picava fumo, como se não estivesse ali. Parecia longe… Um rapazote se aproximou do pau de sebo com uma sacola de mercado na mão. Ele jogou o chinelo de dedos para o lado e sentou-se no chão para calçar um par de botas velhas. Eu me aproximei para tentar entender. Ele prostrou-se diante do tronco de eucalipto, mirou o prêmio dependurado no cume, tomou fôlego e deu início à escalada. O sujeito havia colocado pregos nas solas. Quando os seus pés escorregavam, as marcas eram entalhadas na madeira. Não demorou muito. Chegou ao topo, agarrou a bolsa de dinheiro com uma das mãos, se jogou lá de cima e correu em direção à estamparia. Contrariado, um molequinho chutou o par de chinelos abandonados, meteu as mãos nos bolsos para disfarçar o frio e desapareceu na multidão.

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