Uma imersão na Bella Époque

(Por Salatiel Correia)

A Belle Époque, expressão francesa que significa “Bela Época”, foi um período de otimismo, inovação e efervescência cultural que se estendeu da última década do século XIX até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Concentrado nas grandes capitais europeias, especialmente Paris, esse tempo foi marcado por transformações sociais profundas, pelo avanço das ciências e pela celebração do progresso humano — mas, sobretudo, pela valorização intensa da arte em suas múltiplas expressões.

Na literatura, a Belle Époque produziu nomes que se tornaram pilares do modernismo e do simbolismo. Escritores como Marcel Proust, com sua monumental obra Em Busca do Tempo Perdido, mergulharam na subjetividade e na memória, questionando o tempo e a identidade de maneira refinada e inovadora. Oscar Wilde, embora irlandês, encontrou em Paris um palco ideal para seu estilo decadente e irônico, enquanto o belga Maurice Maeterlinck deu ao teatro simbolista um tom filosófico e misterioso. A literatura do período, marcada por uma linguagem ornamental e pelo culto ao belo, também conviveu com tensões: a exuberância da forma muitas vezes ocultava o vazio existencial, tema que começava a emergir.

Na pintura, a transição do impressionismo para as vanguardas foi uma das marcas desse período. Claude Monet, Edgar Degas, Pierre-Auguste Renoir e outros impressionistas ainda dominavam a cena no início da Belle Époque, retratando a luz, o movimento e a vida cotidiana com pinceladas livres e novas abordagens à cor. Mas foi nesse mesmo ambiente que surgiram os pós-impressionistas — como Paul Cézanne, que abriria caminho para o cubismo de Picasso, e Vincent van Gogh, cuja obra só foi reconhecida após sua morte, mas que traduzia como poucos a angústia e a sensibilidade exacerbada da alma moderna. Henri de Toulouse-Lautrec pintou os cabarés, os corpos exaustos e vibrantes da noite parisiense, enquanto Gustav Klimt, em Viena, construía com ouro e erotismo uma pintura que simbolizava o apogeu e o esgotamento de uma civilização.

A escultura, por sua vez, encontrou em Auguste Rodin uma figura revolucionária. Ele rompeu com os padrões neoclássicos ao dar forma e movimento às emoções humanas, como se vê em obras como O Pensador, O Beijo e Os Burgueses de Calais. Rodin buscava a verdade do corpo, das paixões e da dor — e sua escultura inaugurou uma linguagem moderna que influenciaria todo o século XX. Na Itália, Medardo Rosso explorava as fronteiras entre escultura e pintura, usando superfícies esmaecidas e formas indistintas que sugeriam a fugacidade do instante.

Dentro desse ambiente fervilhante, destacaram-se personagens cuja trajetória personifica os valores e contradições da Belle Époque. Sarah Bernhardt, a mais célebre atriz do período, simbolizava a mistura de talento, extravagância e culto à personalidade. Camille Claudel, escultora e aluna de Rodin, teve uma carreira promissora marcada pela genialidade e por tragédias pessoais, refletindo os limites impostos às mulheres artistas. O poeta Paul Verlaine, de vida errante e marcada por escândalos, levou a poesia francesa a um lirismo sombrio e musical, influenciando gerações posteriores. Marcel Proust, que viveu recluso grande parte da vida, ergueu uma catedral literária da memória em sua obra. Toulouse-Lautrec, debilitado fisicamente desde jovem, tornou-se o cronista visual das noites de Montmartre, com seus desenhos de dançarinas, prostitutas e boêmios. Erik Satie, compositor e figura excêntrica, antecipou o minimalismo musical e influenciou o surrealismo com sua atitude irreverente e experimental.

A Belle Époque foi, assim, um tempo de esplendor e de presságios. Por trás do refinamento e das artes luxuosas, havia uma Europa caminhando, sem saber, para a Grande Guerra. A arte foi ao mesmo tempo celebração e fuga, reflexo do otimismo e pressentimento do abismo. Por isso mesmo, permanece como um dos períodos mais fascinantes da história da cultura ocidental — um tempo em que a beleza parecia vencer o tempo, ainda que por pouco.

Salatiel Soares Correia é engenheiro administrador de empresas, mestre em energia Pela Unicamp. Membro titular do Instituto Histórico Nacional e Geográfico de Goiás.

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