Em literatura, tamanho não é documento

(Por Salatiel Correia)

Quem é do ramo editorial conhece a piada que relaciona a um critério bastante usado para avaliar, do ponto de vista físico, o tamanho de uma obra literária. O critério é o seguinte: se o livro for colocado na vertical e manter-se em pé, é de tamanho médio ou grande; já se ele não permanecer em pé, enquadra-se no rol das obras de tamanho pequeno.

Ao adotar esse critério para avaliar a qualidade do livro, verifica-se que tal regra se torna uma verdadeira falácia. Vejamos alguns exemplos.

“Em Busca do Tempo Perdido”, do escritor francês Marcel Proust, é tido como o maior livro do mundo. São mais de 3 mil páginas que o autor achou necessário produzir para traçar a longa e delineada influência do tempo na vida de cada um de nós. Li todos os dias, durante seis meses, a obra desse grande escritor. É uma obra-prima.

O livro é considerado grande na literatura mundial, não pelo seu tamanho físico mas, sim, pela capacidade que teve o autor de divagar sobre a influência do tempo na vida de cada um de nós.
Vejamos mais um exemplo. Quem já passou pela experiência de ler a atormentada literatura do tcheco Franz Kafka pôde aquilatar que tamanho não é documento quando se trata de julgar a grandeza de uma obra literária. As reduzidas dimensões de obras-primas como “O Processo” e “O Castelo” em nada influenciaram o sucesso de um autor considerado um dos mais expressivos da literatura. Outros exemplos: tamanho não é documento para o calhamaço de mais de 800 páginas que é o caso da mais importante obra-prima da literatura espanhola. Falo do sempre eterno “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes. As mais de 800 páginas de “A Montanha Mágica” não impediram que essa obra-prima da literatura alemã fosse considerada uma obra universal.

Dito de outro modo: pouco importa o tamanho físico da obra literária. Essa pode ser concebida num livro com 80 ou 800 páginas. O que de fato importa é o talento do autor. A maneira como ele conta a obra oriunda da sua imaginação.

Posto isso, voltemos os nossos argumentos para o maior de todos os escritores: o inglês William Shakespeare. Todos sabemos que obras como “MacBeth”, “Otelo”, “O Mercador de Veneza” ou, até mesmo, “Romeu e Julieta” tornaram-se imortais, não pelo pequeno número de páginas, sobretudo, pela mensagem que passam para os milhões de leitores que mantêm Shakespeare na condição de maior escritor do mundo. “O cânone dos cânones”, como bem definia o respeitoso crítico literário Harold Bloom, de saudosa memória.

Ainda no rol das pequenas grandes obras, de menos de 100 laudas, é oportuno citar dois autores de grande expressão. O primeiro é o mexicano Juan Rulfo, com seu “Pedro Páramo”. O segundo, com “A invenção de Morel”, é o escritor argentino Adolfo Bioy Casares.

Por fim, é valioso relembrar de um de nossos maiores escritores, Graciliano Ramos, e seu livro pequeno grande livro “São Bernardo”. Este, sem dúvida, tem lugar garantido no panteão dos grandes livros da literatura brasileira.

“Grandes perfumes podem ser encontrados nos pequenos frascos”, esse é um ditado popular que se torna meia-verdade no mundo da literatura. A outra metade se revela, também, na certeza de que uma grande obra pode ser encontrada em calhamaços de mais de 500 páginas. Tamanho não é documento em literatura, pois o que de fato importa é um único critério que faz um livro vencer as areias do tempo: o conteúdo.

Salatiel Soares Correia é Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em energia pela Unicamp. É autor de oito livros com temas sobre energia, política e literatura.

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