Meus tempos de Grupão (Por Elísio Rosa)

Aproximava-se 1949. Aquele seria um acontecimento esperado por todas as crianças nascidas no ano em que a Alemanha invadiu a Rússia, na Segunda Guerra Mundial. Chegava a hora de irmos para a escola. Para muitos, nem o Natal de 1948 havia sido tão esperado como a ida para o grupo. Crianças confinadas no recinto do lar viam nessa jornada uma forma de libertação. O estudo, as amizades, as professoras, as atividades cívicas e culturais, tudo isso era muito prazeroso. Um novo horizonte se despontava e uma esperança resplandecia à nossa frente. Era costume os pais levarem os filhos à escola, no primeiro dia de aula, para conhecerem o caminho. Dali em diante, ficaria por nossa conta.

Havia no Grupão dois personagens distintos. Eram os senhores Felipe e Zequinha, servidores que abriam e fechavam a escola, além de realizar outros múltiplos afazeres. De manhã, às sete em ponto, o sino, que ficava em uma janela no alto do prédio, repicava suas badaladas despertando as crianças da cidade. Às sete e quinze, novas badaladas. Uma última, às sete e meia, já era para as crianças se reunirem em fila no pátio. Cada turma com a sua respectiva professora. Na fila, cantávamos o Hino Nacional, às vezes o Hino à Bandeira ou o Hino da Independência. A disciplina e a reverência eram prioridades naquela instituição de ensino.

Horta no pátio central, sem as construções ao fundo.

Nas salas de aula, havia carteiras de assentos duplos. Dois alunos em cada carteira. Eram feitas de madeira, montadas em uma armação de ferro. Na prancheta onde escrevíamos havia dois compartimentos para colocar lápis e borracha. O círculo no meio da carteira era para colocar o vidro de tinta para mergulhar a pena com uma caneta que nunca era usada. Naquele tempo não havia caneta esferográfica.

Pátio do Grupo Escolar Delfim Moreira.

Havia castigos disciplinares. Quando comecei na escola, o pior castigo já havia sido abolido, que era de ajoelhar sobre o milho. Responder para uma professora era uma afronta que resultava em punição. Nesse caso, o hábito era colocar o menino em pé, atrás da porta, até segunda ordem. Um outro castigo era colocar o indisciplinado para sentar-se com uma menina, nesse caso era melhor ficar em pé atrás da porta. Uma vez eu respondi para uma professora e ela me levou para a diretoria. Naquele dia a dona Dina estava como diretora. Ela pediu para eu me sentar e me deu um lápis e um caderno com uma frase no topo da folha: “Nunca se deve responder a uma professora.” Ela pediu para eu escrever essa frase cem vezes. Só parei de escrever quando o sino tocou para a dispensa dos alunos. Ainda bem que a dona Dina não comunicou o meu pai pois, se isso tivesse acontecido, eu levaria uma surra de chinelo de couro.

Todos os dias, havia como merenda uma sopa rala de fubá com cenoura, batata, espinafre, feita pela dona Mocinha. Os legumes e verduras eram cultivados pelos alunos no canteiro central da escola. Durante anos, eu nunca vi um pedaço de carne naquela sopa.

Crianças no pátio do Grupo Escolar Delfim Moreira.

Houve uma grande festa na escola quando chegaram os brinquedos de parque para o pátio dos meninos e meninas. A maior atração foi o escorregador. Uma vez por ano, os alunos do Grupão eram convidados a irem ao Chalé da dona Sinhá, na época das jabuticabas. Aconteciam muitas atividades lúdicas durante o evento e a crianças se divertiam bastante. No salão nobre do Grupão, eram frequentes as atividades teatrais realizadas pelos alunos, sob orientação das professoras.

Os nossos uniformes eram xadrezinhos, em branco e preto. Os meninos usavam camisa branca e calça curta em xadrezinho. As meninas usavam blusa branca e saia xadrez. Vale lembrar que, naquela época, mulher não usava calças compridas.

Sala de Aula – anos 1970.

Uma das ocorrências mais frequentes nos primeiros anos da década de cinquenta era a falta de pagamento às professoras por parte do governo estadual. Atrasava meses e tal fato era de conhecimento geral na cidade. As professoras compravam fiado para pagar quando recebessem. Os comerciantes anotavam as despesas em dois cadernos a lápis: um ficava com o comerciante e o outro com a freguesa. Eu nunca as vi fazerem greve e nem ficarem irritadas com essa anormalidade. Também nunca as vi faltar com as suas responsabilidades.

Nas solenidades cívicas mais proeminentes, os alunos iam bem vestidos, com uniformes limpos e engomados. Era uma das poucas ocasiões em que calçávamos sapato, pois era costume os alunos irem descalços para a escola.

Crianças se reúnem no galpão – 1937.

A maior solenidade era o desfile de 7 de setembro, quando nos reuníamos em fila, em frente ao Grupão. Descíamos o morro garbosamente ao som da fanfarra até à praça onde alunos da escola normal, do ginásio e, em anos posteriores, os alunos do grupinho da rua da Pedra, se reuniam. A atração maior era o Tiro de Guerra 118. As autoridades constituídas faziam longos discursos e, ao findarem, éramos dispensados. Foram muitas professoras laboriosas na minha época. Cito algumas: donas Ione. Maria J. Carneiro de Paiva. Lourdinha Ribeiro, Clair, Marcia Longuinho. Nini, Glorinha Cleto, Rosinha, Benedita Abreu e Glorinha Patta. Diretoras: Maria J. Raposo, Idalina Faria, Dina e Carmélia Vono.

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