O maior de nossos escritores, Machado de Assis, coloca, no seu famoso conto “O Espelho”, que o ser humano tem duas almas: a interior e a exterior. A alma exterior tem que ver com o outro, com aquela imagem que as pessoas têm de nós ou que nós queremos aparentar no teatro da vida. Com a alma exterior, fingimos sentir a dor que jamais sentimos. No exterior, localizam o status, o prestígio social e a dissimulação.
Vaidade, modéstia, esperteza, insegurança, amor e ódio têm que ver com as profundezas da alma interior. Nesta, o ser humano, diante de um espelho, vê a si mesmo comungando com seu eu ao qual não consegue fingir. Não existe espaço para autoenganos.
Digo isso porque vi a mim mesmo no comungar de minhas duas almas, no momento em que retornei à aprazível Santa Rita do Sapucaí, depois de lá sair há mais de 30 anos. Presente e passado se confundiram num momento só. Do fundo da memória, emergiu um rapazola imaturo que sentou por cinco anos nos bancos do Instituto Nacional das Telecomunicações. Hoje, pleno e ciente de minha maturidade, vi imagens congeladas, há tanto tempo na minha memória, emergirem das profundezas do meu ser no momento em que entrei na cidade dos Rennós, Moreiras e Capistranos, mas, também, dos Marques, Telles e Pivotos.
Ao cruzar a avenida Sinhá Moreira, o coração acelerava. Pude ainda sentir o gosto da deliciosa coalhada que todo dia degustava no estabelecimento dos amigos Helena e Rosário Perrota. Naquele instante, o encontro de minha alma interior com a exterior me conduziu a um estado de leveza. Mais leve ainda me senti quando passei em frente da rodoviária e, do carro, avistei aquela porta do restaurante onde almoçava um PF todos os dias. Senti o gosto daquele bifão com arroz e tomate. O coração acelerou mais ainda no momento em que veio ao meu encontro minhas duas almas expressas num par de lágrimas. Lágrimas de saudade de gente com a qual convivemos deixando dentro de nós boas lembranças. Lembranças que nos acompanham pelo resto da vida de pessoas que se foram, deixando nosso ser impregnado de boas recordações. Naquele momento, veio dos subterrâneos do meu ser a recordação de uma das almas mais generosas com quem tive o privilégio de conviver nos meus tempos de estudante: Cândido, carinhosamente chamado por Candião.
Estudante longe da família, Candião fez parte dessa minha família mineira santa-ritense. Sua alma interior era a mesma alma exterior centradas numa única palavra que simbolizava meu saudoso amigo: generosidade. Equilibrado e bom conselheiro nos momentos em que necessitei de conselhos e apoio, Candião foi um ser humano de primeira qualidade. Deixou dentro de mim lembranças que colam minha alma interior com a exterior, assim, fazendo-me sentir aquilo que nem sei o que sou quando vou às Gerais: se um mineiro em Goiás ou se um goiano em Minas Gerais.
(Salatiel Correia é Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Planejamento Energético. É autor, entre outras obras, de A Construção de Goiás.)
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