A grande paixão de Lafaiete Paduan veio da infância, durante uma matinê do Cine Santa Rita. Em um dos episódios de “O gordo e o Magro”, aparecia um Fordinho 1922 que chamou a sua atenção. Daquele dia em diante, jurou que teria um modelo igual e passou a frequentar as oficinas mecânicas da cidade, enquanto os amigos jogavam bola no campinho.
Na juventude, Lafaiete montou diversos carros. Seu hobby era restaurar modelos clássicos com peças originais e vendê-los para colecionadores. Apesar da satisfação pelo que fazia, ele perseguia o sonho de montar o Ford T e, para isso, era necessário frequentar oficinas da região em busca de peças. Em Brazópolis, na oficina do Senhor Orlando, o rapaz encontrou, não só alguns paralamas e chassis, como uma informação ainda mais valiosa. Enquanto negociava sucatas, um freguês ouviu a conversa que mantinha com o dono da oficina e contou que seu tio tinha um exemplar à venda. Quando soube, Lafaiete correu à casa do vendedor e constatou que a história era verdadeira. O carro estava há muitos anos guardado sobre cavaletes e a entrada da garagem nem existia mais. O rapaz tremeu ao conferir que o veículo estava ali, quase que lacrado à sua espera. Depois de pechinchar, Lafaiete pagou 6 mil cruzeiros e voltou a Santa Rita para fretar um caminhão que traria o veículo. O funcionário da Companhia Sul Mineira conta que, naquela noite, não conseguiu dormir. Ficava imaginando como faria para restaurar o veículo e deixá-lo novinho em folha. No dia seguinte, foi difícil tirar o Ford de cima dos cavaletes. Tiveram que quebrar uma das paredes e cortar algumas goiabeiras que cresceram em torno da garagem.
Ao chegar a Santa Rita, Lafaiete procurou o amigo Benedito Marques, dono de um desmanche, que se dispôs a ajudá-lo a ligar o veículo. Uma multidão se aglomerou para ver o Ford, parado há mais de 30 anos. Ao dar a partida, o susto foi tamanho que a molecada correu e a poeira que levantou na oficina espantou o restante dos curiosos. O desafio seguinte foi aprender a dirigir um carro sem alavanca de câmbio. Seria preciso entender como movimentar o veículo com três pedais e um acelerador manual, desconhecido para a maioria das pessoas.
Quando tomou coragem de passear pela primeira vez, uma criançada trepou no veículo e a cena chamou a atenção da cidade. Em frente à casa do senhor Róssio De Marchi, o famoso fotógrafo pediu para imortalizar aquela inusitada cena e a fotografia permanece guardada pelo colecionador.
Nos meses seguintes, Lafaiete vasculhou oficinas da região e fez grandes amigos. Um deles, Gabrielzinho Morais, cantou a pedra: em Itajubá havia um antigo agente da Ford, dono de um barracão cheio de peças sem uso.
Adriano Piazarolli era um homem reservado e não permitia que ninguém entrasse em seu barracão, mas se encantou com a admiração de Lafaiete pelo modelo T e o presenteou com um manual do veículo, além de se dispor a vender as peças que faltavam. Daquele dia em diante, o Fordinho ganhou peças originais e se tornou uma verdadeira relíquia.
Como tudo que é bom dura pouco, ao terminar a restauração, Lafaiete devia até as calças. Era dívida que não acabava mais e só havia uma saída: passar o carro nos cobres. Para isso, pediu a um conhecido que procurasse um comprador em São Paulo em troca de 10% do valor que conseguisse. Uma semana depois o homem retornava com a notícia de que havia encontrado um comprador.
A viagem para São Paulo foi inesquecível. Mal entraram na Dutra, gente de tudo que era canto começou a buzinar, abanar as mãos e chamar a atenção de Lafaiete. Todo mundo ficava admirado em ver um carro tão antigo na rodovia. Na Avenida Rio Branco, repleta de carros importados, ninguém acreditava no que via. Os donos das concessionárias corriam para ver aquele veículo tão raro. Um deles não se conteve. Pulou na frente do veículo e perguntou quanto o rapaz queria. Impossível. O carro já tinha dono.
Na negociação, Lafaiete ficou meio perdido. Depois de dois anos e meio restaurando o veículo, não tinha noção de quanto aquela joia valia. Chutou por alto: 150 mil cruzeiros. O homem pagou em dinheiro. A decepção veio quando outro interessado o procurou para oferecer 500 mil, enquanto saía da loja.
Lafaiete Paduan montou diversos carros, mas nenhum foi tão querido quanto o seu primeiro Fordinho. Até hoje, o hobbista recorda quando a oficina era a sua segunda casa e se emociona ao falar das amizades que construiu em nome de uma paixão inusitada. Depois de tantos anos, suas lembranças permanecem vivas e ele não desiste de sonhar. Por esse motivo, se algum dia, entre veículos futuristas você encontrar um calhambeque brilhante, como se tivesse acabado de sair da fábrica, pode ser o nosso amigo, com um novo projeto e muitas histórias para contar.