Quem vê este jovem senhor de 54 anos trafegar tranquilamente pelas calçadas da cidade a bordo de sua Scania imaginária ou de sua retroescavadeira, brincando com as pessoas, mandando beijos às mocinhas e conversando com quem passa, não faz ideia das cargas e dos fardos que carregou nos primeiros anos de sua vida.
Roselito Rosa da Silva nasceu em Santa Rita do Sapucaí, no dia 6 de março de 1967 e, desde os primeiros suspiros, conheceu as dificuldades e obstáculos impostos pela vida que acabava de ter início.
Fruto do abuso do pai com a própria filha, foi abandonado ainda na maternidade e posto para adoção. Era um bebê muito bonito e forte, não tardando para que um casal resolvesse adotá-lo. Mas, aos poucos, aquela família foi percebendo que ele não era uma criança como as outras. Caminhava com um pouco mais de dificuldade, era mais desafiador para ele empreender atividades comuns às outras crianças. E a paciência dos pais foi diminuindo… Vieram as surras, os castigos e até pauladas. “Quero que vá ao armazém! Eu vou cuspir no chão. Se secar e você não tiver voltado, receberá o que merece!” – dizia a mãe adotiva. E as surras viraram rotina na vida da criança que, naquela altura, começava a entrar na adolescência. Os castigos mais severos aconteciam quando a mãe mandava que ele levasse comida para o pai ao trabalho. O garoto não aguentava, abria a marmita, e comia um pouco da mistura. Era recebido aos socos em seu destino e tornava a apanhar quando voltava.
Roselito tinha entre 10 e 12 anos quando sua família decidiu se mudar para Pouso Alegre. Cansado daquela rotina violenta, foi viver na rua. Passou a frequentar, dormir a ser alimentado nas garagens das companhias de ônibus e circulares, tornando-se conhecido na cidade vizinha pelo apelido de Jacaré. Todos os dias, brincava de manobrar seus ônibus imaginários, viajava com os motoristas pelas cidades da região e verificava se os pneus dos coletivos estavam calibrados, antes da partida. Sem perder o humor, Roselito ainda se lembra do episódio em que adormeceu durante uma de suas viagens e, quando despertou, estava sozinho em São Paulo.
Quando sua família retornou a Santa Rita, decidiu internar Roselito na FEBEM, pouco depois de completar 17 anos. Até atingir a maioridade, conviveu com toda a violência e dificuldades daquele ambiente frequentado por crianças cujo destino, assim como o dele, não havia sorrido.
Ao atingir a maioridade, Roselito foi posto em liberdade. Tornou-se um indigente, vagando entre Pouso Alegre e Santa Rita. Seus únicos pertences eram uma colher e uma caneca. Comia de favor, dormia onde dava e já estava conformado com o seu destino quando, aos 19 anos, conheceu um jovem que viria a transformar a sua vida.
Prestes a se casar, Edésio abriu uma discoteca no calçadão em frente ao Clube, bem em cima do Fliperama do Waltinho e do Chips Lanches. Ele notou a presença de Roselito, rodeando um trailer na boca da ponte, perguntou a ele como vivia, onde dormia e como fazia para sobreviver: “Eu como o que me dão na rua. Durmo em alpendres, garagens, terrenos baldios, onde der…” – respondeu o garoto. E Edésio ofereceu para que ele dormisse em sua discoteca e passou alimentá-lo daquele dia em diante.
Depois de um algum tempo, a Discoteca não vingou e Edésio montou um quartinho para Roselito, nos fundos de uma das casas de aluguel de sua família, bem em frente à sua residência. O rapaz passou a viver por ali e foi, lentamente integrado à vizinhança e à sua família.
Quando Edésio se casou com Alessandra, passou a viver em uma chácara de seu pai e levou Roselito com ele. “Teve um dia que ele sumiu! Cadê o Roselito? Eu estava grávida do Marco Aurélio e quase morri de chorar! Ele juntou tudo o que tinha, jogou no rio e partiu pela Rua do Queima, em direção a Pouso Alegre!” – lembra Alessandra. Edésio ainda chegou a encontrá-lo na cidade vizinha, mas ele explicou que não havia se adaptado à nova vida. Queria ser morador de rua…
Mas aquele drama não durou tanto. Alessandra já estava prestes a dar à luz e, assim que o garoto nasceu, Edésio decidiu que queria matar saudades de Roselito e contar sobre o nascimento de Marco Aurélio. “Eu quero voltar! Não quero mais ficar nessa vida!” – disse Roselito ao reencontrá-lo. E o amigo respondeu: “Eu levo você de volta, mas agora vai ser no papel! Nós vamos ao Fórum e eu serei o seu tutor!” Aquele foi um período em que Senhor Hélio havia construído um apartamento para o casal, mas que não tinha um quarto sobrando. Nesse meio tempo, ele permaneceu na casa da mãe de Edésio. Roselito lembra que, todos os dias, ia à capela de Santa Rita orar para que continuasse com aquela família e não voltasse às ruas.
Com o falecimento da avó de Alessandra, sua mãe, Dona Terezinha, ofereceu a ele o quarto que havia sido desocupado e, por 15 anos, Roselito viria a viver naquela casa e ajudar nos trabalhos diários. Era sempre a mesma rotina: passava o dia no apartamento de Alessandra e voltava de noite para a casa de dona Terezinha, onde tomava banho, jantava e dormia. Apesar de não ler, era muito esperto, possuía memória fotográfica e era capaz de realizar serviços bancários, entregas de produtos e colaborar na rotina da família.
Alessandra ainda se lembra do dia em que o rapaz chegou em casa reclamando do calor excessivo. “Ele contou que não estava se sentindo bem, nós o levamos ao hospital e descobrimos que havia sofrido um infarto. Entramos em pranto! Tivemos, ainda, a infelicidade do Senhor Hélio também se sentir mal na mesma hora e ter que ser levado para Pouso Alegre às pressas. Foi o ex-prefeito Jeffinho quem se prontificou a acompanhar Roselito durante a internação, até o retorno dos tutores. Infelizmente, Senhor Hélio não teve a mesma sorte do rapaz… Não bastasse aquele desafio, depois de algum tempo foi constatado Diabetes e Roselito passou a conviver com 15 remédios diários.
Mas chegou um tempo em que Edésio passou a viver na antiga casa dos pais, bem mais espaçosa, onde puderam montar um aconhegante quartinho para Roselito. E foi num sábado que o rapaz chegou de mansinho ao ouvido de Alessandra e disse: “Eu posso lhe pedir uma coisa?” “Claro!” – ela respondeu. “Gostaria de lhe chamar de mamãe.” Era véspera do Dia das Mães e Alessandra comentou com o marido: “Acabei de receber o maior pedido da minha vida. Roselito vai me chamar de mãe!” E Edésio respondeu: “Se ela é a mãe, o que eu sou, então?” E Roselito emendou: “É o meu papai!”
E foram felizes os dias daquela família até um momento que iria coroar aquele encontro. Roselito seria, finalmente, batizado! Os padrinhos seriam Rita, Jeffinho e Marco Aurélio. Ele também realizou a Primeira Eucaristia e, para a Crisma, convidou Thaís e o marido para padrinhos. Ariane, a segunda filha de Edésio e Alessandra, ficou enciumada, mas foi tranquilizada por Roselito, prometendo que, se um dia ele se casasse, ela seria a madrinha.
Depois de 30 anos de convivência, Roselito tornou-se o xodó da família. Com toda a sua inocência, é tido como um anjo e uma benção na vida de Edésio, Alessandra, Marco Aurélio e Ariane. Enquanto nos contava sua história, auxiliado por sua mãe, tivemos que parar várias vezes para que ambos pudessem limpar as lágrimas que vertiam de seus olhos emocionados. Percebi, naquele instante, um amor puro e incondicional. Presente dado somente a almas de alta envergadura, através de mãos puras e inocentes, como as do menino Roselito.
(Carlos Romero Carneiro)
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