Por Carlos Romero Carneiro
Patrimônio local
Considerado um dos mais belos e imponentes edifícios construídos em Santa Rita do Sapucaí, o Grande Armazém de Seccos & Molhados é a primeira impressão dos viajantes que chegam à cidade e conserva uma arquitetura que nos remete ao início do século XX. Conhecer sua história significa retornar ao tempo em que grandes imigrantes ocupavam tanto sua região quanto a rua da ponte e seus pontos comerciais deram vida ao comércio local.
Os primeiros proprietários
Pouco se sabe a respeito do primeiro proprietário do prédio. Dizem apenas que era português e que explorava um estabelecimento chamado Hotel D’Ouro. Assim que deixou Santa Rita, quem comprou o imóvel foi o senhor Antônio Marciano Pereira, natural de Três Corações, que desposou uma moça da família Valim. Desde então, o local ganharia as inscrições “Grande Armazém de Seccos & Molhados” que fariam dele uma obra de arte.
A vinda de Arnaldo Mesquita
Construído em 1920, o Grande Armazém foi vendido ao português Arnaldo Augusto Mesquita, 16 anos depois, e tornou-se muito lucrativo. Vindo do bairro Vargedo, o comerciante era pai de quatro crianças e sua mudança para a cidade aconteceu porque queria que os filhos estudassem nas escolas locais.
Para que sua família pudesse viver no imponente prédio, Arnaldo teve que derrubar algumas paredes do antigo Hotel. No pavimento superior foram dispostos os dormitórios e, no térreo, construídos cozinha, banheiro, sala e o ponto comercial.
Arnaldo tinha muito amigos e era apaixonado por futebol, carnaval (mesmo sem saber dançar) e por uma boa prosa. Quando estava em casa, ocupava a cabeceira da mesa rodeado por quatro filhos de um lado, três do outro e a esposa na outra ponta. O silêncio reinava na hora do jantar. Toda noite havia sopa e cada filho devia utilizar o jogo completo de talheres. Do Rio de Janeiro, chegava o barril de vinho português que era colocado ao lado da talha com água e distribuído – um copinho para cada um. Mais tarde, passou a consumir seus vinhos apenas em garrafas. Uma delas, fechada até hoje – ficou décadas guardada no cofre da família.
No Grande Armazém, Arnaldo vendia de tudo. Para manter as portas abertas, contava com a ajuda de sua esposa, Maria da Dores Costa Mesquita e do irmão, João Manoel Mesquita. Como era costume na época, as vendas a prazo imperavam através do sistema de cadernetas e os fregueses se espalhavam pela cidade inteira.
Praça João Pessoa
Naquele tempo, o prédio estava endereçado à Praça João Pessoa. Tal homenagem ao governador paraibano foi mantida até a queda de Getúlio quando, tanto a placa deste logradouro, quanto a da Praça Getúlio Vargas, foram retiradas e jogadas no rio.
Em dias de chuva
O antigo comércio do senhor Mesquita, até poucos anos, manteve cores claras que encobriam a primeira inscrição do Hotel D’Ouro. Ainda assim, quando chovia, o nome do antigo estabelecimento aparecia e era possível ler o título original do edifício. Depois de muitos retoques, o prédio ganhou cores mais escuras e, desde então, isso nunca mais aconteceu.
O guarda-livros
O guarda-livros do Grande Armazém de Seccos & Molhados chamava-se Milton Rangel. Descendente de Libaneses, fazia escrita para o estabelecimento do Senhor Arnaldo e para o comércio do senhor Nagib Elias. Ali ficou até se mudar para o Rio de Janeiro, quando foi estudar e trabalhar para o senhor Melo – Pai de Manoel Vitorino – proprietário da fabrica de Calçados Polar. Depois de passar pelo Banco da Lavoura e de se tornar diretor do Banco Nacional, o antigo guarda-livros acabou se tornando proprietário da Santa Fé Calçados e de outros rentáveis negócios, comprando diversas residências na rua da Ponte.
Um novo prédio
Com o passar dos anos, a grande procura pelos produtos tornou o Grande Armazém pequeno para tanta mercadoria e fez com que Arnaldo Mesquita construisse um espaço mais amplo nos fundos do prédio, bem no final da Avenida Delfim Moreira. No novo ponto, passou a ser vendida uma cachaça envazada pelo senhor Mesquita, conhecida como Rosinha e que, contrariando o recato da época, portava a ilustração de uma moça de biquini em seu rótulo.

A trajetória do empreendedor
Arnaldo era um homem empreendedor e visionário. À medida em que progredia, seus negócios ultrapassavam os limites da cidade e se expandiam para os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. O português percebia que o país estava crescendo e que muitos produtos vendidos em nossa região não eram encontrados em outras. Para suprir essa demanda, fez uma primeira viagem a Porto Alegre, a fim de comprar um dos caminhões produzidos pelo futuro presidente João Goulart. As primeiras negociações foram difíceis. No posto telefônico atrás do Hotel Mello, Arnaldo realizou diversas ligações que precisavam ser agendadas com dias de antecedência. Como nunca perdia a viagem, ao chegar ao sul do país, o comerciante negociou o caminhão, comprou farinha suficiente para enchê-lo e pegou o rumo de volta a Minas Gerais. Ao passar por Santa Catarina, o que mais lhe chamou a atenção foi a quantidade de pinheiros que viu à beira da estrada. Em seu raciocínio de vendedor, se aquela madeira toda era produzida por ali, seu preço deveria ser muito baixo. Chegando a Santa Rita, depois de muito pesquisar, descobriu que em São Carlos existiam umas 20 fábricas de cama e fechou negócio com 50% de lucro para pagamento em 60 dias. Já na segunda viagem ao sul, o português comprou mais dois caminhões para transportar toda a carga vendida na região sudeste.
Com as transações do pai, Carmim Mesquita passou a tocar os negócios em Santa Rita. Arnaldo comprava produtos em Piracicaba para levar ao sul e retornava com os caminhões “GMC Marítima” repletos de madeira. Uma vez por mês, o português retornava a Santa Rita para deixar o dinheiro e realizar a escrita das transações. O negócio prosperou muito até que o acidente de seu filho fez com que abandonasse as viagens e comprasse uma fazenda em Astorga, no Paraná. O comerciante nem imaginava, mas aquele seria o primeiro fracasso de sua vida e traria grandes consequências.
No mesmo ano em que plantou café pela primeira vez, em 1956, aconteceu uma geada que levou toda a sua produção. Apesar do prejuízo, Arnaldo não desistiu do negócio, mesmo quando apareceu um comprador oferecendo alto valor pela propriedade. O português era persistente. Seu desejo era ver colhido pelo menos uma vez seu café antes de dispor das terras. Para evitar que houvesse maiores prejuízos, o comerciante decidiu montar um Alambique e uma Serraria em sua fazenda e continuou tocando o barco. Ele não viveria para ver o segundo desastre de sua produção.
Arnaldo Augusto Mesquita faleceu aos sessenta e um anos, no Rio de Janeiro, pouco antes de ser atendido por um médico indicado pelo senhor Melo (Calçados Polar). Em sua última semana de vida, o português aguardava o retorno de Doutor Feijó de um congresso em Buenos Aires, em sua segunda tentativa de se livrar das fortes dores no peito que se estendiam ao braço esquerdo. Mesmo antes de saber que era portador de Angina, havia recebido a recomendação de um médico paulista de que, para perder vinte dos oitenta e cinco quilos que pesava, deveria voltar a fumar. Sua esposa, que sofria problemas cardíacos e era a preocupação maior da família, naquele momento, acabou vivendo vinte anos a mais do que ele.
Com sua morte prematura despedia-se de Santa Rita do Sapucaí o querido empreendedor português, dono do estabelecimento mais charmoso das redondezas. Ainda hoje, quando olhamos para sua sólida construção, retornamos a um tempo em que a cidade ainda era movimentada pelo comércio de nossos primeiros imigrantes. Uma época romântica em que a confiança formava os alicerces para um bom negócio e que amizades atravessavam – realmente – uma vida toda.