Antes que os trios elétricos, abadás e blocos organizados tomassem conta do Carnaval, Santa Rita do Sapucaí conheceu uma folia muito mais simples — e, talvez por isso, inesquecível. Era o tempo das batucadas da Rua Nova, verdadeiras festas improvisadas que transformavam o bairro em um palco de criatividade, risada e batuque.
Carnaval na raça (e na lata!)
As batucadas nasciam de um espírito coletivo e espontâneo. O objetivo era claro: juntar o máximo de dinheiro possível para garantir a cerveja nos dias de folia. A arrecadação vinha na base da descontração, dos instrumentos improvisados e, claro, de muito bom humor.
Os grupos eram formados quase exclusivamente por homens e tinham uma formação rústica: percussão, uma vaca e um bonecão. Esses dois últimos eram os grandes protagonistas — assustavam as crianças, arrancavam gargalhadas dos adultos e davam um toque folclórico à farra.
A confecção dos personagens era um espetáculo à parte. Conseguir uma cabeça de boi para a vaca era tarefa difícil; pintá-la com spray, então, um desafio ainda maior. Já o bonecão surgia de uma engenhoca caseira: uma cabeça de pano apoiada sobre uma grande caixa de geladeira. Simples, mas infalível.
O casal da sacolinha
Para recolher as doações, existia uma tradição curiosa: a sacolinha onde o dinheiro era guardado deveria ser conduzida por um casal respeitável. Como não havia mulheres nas batucadas, um dos foliões se fantasiava de dona de casa — e o resultado era sempre hilário.
A única exigência era que a dupla fosse de confiança, para que as moedas não evaporassem no caminho. Entre vestidos velhos de irmãs e perucas improvisadas, nascia uma cena carnavalesca digna de qualquer sátira de TV.
Do nascer do sol ao meio-dia
Os desfiles começavam nas manhãs de domingo e iam até o meio-dia, num percurso que unia batuque, suor e cachaça. Durante o trajeto, era comum ver a vaca “desmaiada” em frente ao Grupão ou abandonada perto da casa do senhor Luiz Alito.
Mesmo com tanta precariedade, as batucadas da Rua Nova eram motivo de admiração na cidade. Quem assistia, chorava de rir. Quem participava, não esquecia. E o grande beneficiado era o Bar do Seu Lupércio, que via sua freguesia multiplicar-se a cada batida de tambor.
Do batuque ao Pó-pô
Com o passar dos anos e o envelhecimento dos antigos foliões da Rua Nova e do bairro Eletrônica, a tradição foi se apagando. A cidade mudou, os ritmos mudaram, e as batucadas foram ficando cada vez menos frequentes.
Ainda assim, uma fagulha dessa folia popular sobrevive. Tudo muito simples, divertido e, de certa forma, herdeiro legítimo daquele espírito de improviso.
Memória de um carnaval de verdade
Hoje, as batucadas retornaram à Rua Nova e quem participa sabe muito bem: é ali, entre os tambores e as risadas que o verdadeiro carnaval santa-ritense acontece.
Para muitos, aquelas manhãs de domingo são o ponto alto do ano — um momento de libertação da rotina e celebração da vida.
Carnaval só no ano que vem, mas quando bate a nostalgia, ainda é possível ouvir o eco dos tambores, o barulho das moedas na sacolinha e o grito das crianças: “Olha a vaca!”