(Marly Barbosa Fontes)
Meu avô materno, Pedro, ao morrer por volta dos 30 e poucos anos, havia deixado minha avó Maricotinha com 5 filhos pequenos. Minha mãe, a mais velha, tinha 9 anos e a caçula, Dorothy, apenas meses. O irmão do meu avô, Chico Moreira, casado com tia Mindoca, irmã da minha avó, jamais faltou com seu apoio à cunhada e esteve sempre presente em tudo o que ela necessitasse. Tio Chico, como o chamávamos, muito respeitado na cidade por sua justiça, era um homem empreendedor e dinâmico. Foi ele quem fundou o Banco da Lavoura e depois o Banco Nacional. Pessoa de recursos, conseguiu, com muito trabalho e visão à frente de seu tempo, uma posição de destaque. Era consultado para qualquer querela familiar ou financeira que surgisse na cidade.
A grande diversão local era o cinema de minha avó, e muitos moradores eram frequentadores constantes. Conta-se que, certa vez, um padre missionário veio à cidade para pregar na igreja. Ele iniciava sua pregação no final da tarde, comecinho da noite e, como de hábito, a sirene do cinema tocava por três ve-zes, avisando do início da sessão. O padre se incomodava porque, em meio ao seu sermão, ao ouvir a sirene muitos de seus fiéis deixavam a igreja. Com isso, o padre foi aos poucos convencendo os fiéis a não irem mais ao cinema, devido às cenas de beijos, naturais nos filmes. Aos poucos, parte da população foi tomando partido do padre, chegando ao cúmulo de planejar apedrejar e invadir o cinema. Minha avó, tendo sido avisada por amigos de que o assalto seria em determinada hora, convocou o Chico Moreira e seus irmãos Benedito, Zico e Rennozinho para auxiliá-la e aqueles homens sérios, respeitados por toda a população, simplesmente se colocaram defronte o prédio. Posso imaginar a cena: aqueles homens de terno, gravata e colete, traje comum da época, sem armas, sem nada nas mãos para se defender, simplesmente com a coragem – passaporte de decência – aguardando os invasores. Ao vê-los, as pessoas que chegavam para o ataque, aos poucos foram desistindo de seu intento e se re-colhendo aos seus lares. Essa história me foi contada por diferentes pessoas, cada qual modificando um pouco, conforme o parecer de cada um, mas todos unâ-nimes em afirmar que o que demoveu a população do ataque, foi a presença de meus tios-avós.
A generosidade do Tio Chico Moreira para com nossa avó continuou se manifestando na geração seguinte. As primas Sinhá e Carminha, filhas do Tio Chico Moreira, eram as maiores amigas de mamãe (Glorinha Moreira) e, quando esta morreu, foram tão generosas comigo e com os meus irmãos quanto Chico havia sido com a minha avó.
No Rio de Janeiro, Carminha, cujas filhas Regina e Beatriz tinham aproximadamente a mesma idade que Christina e eu, estava a par de tudo que jovens desejam e necessitam. Como meu pai não podia nos proporcionar o mesmo que ela proporcionava às filhas, Carminha pagava para nós aulas particulares e nos presenteava com roupas, calçados, fantasias para o carnaval e, eventualmente, joias.
Já em Santa Rita, onde passávamos férias na casa de Sinhá, era a vez desta cumular-nos de atenções, conquistando nosso respeito e admiração. A ela desejo escrever um capítulo especial, mas ficará para a próxima edição.