A cultura suplanta o apenas técnico

(Por Salatiel Correia)

Ele se fez engenheiro na mais conceituada escola de engenharia do Brasil: o Instituto Militar de Engenharia. Exerceu a profissão construindo grandes obras de infraestrutura no estado de São Paulo. Seu talento, materializado nas grandes obras civis por ele gerenciadas, evidenciava um futuro promissor para esse brilhante profissional.

O aparente sucesso não foi suficiente para a sua sede por uma vida intelectual mais abrangente e motivante. A vida de engenheiro, apenas técnico, contrastou com o chamado de uma nova vocação. E, assim, o brilhante engenheiro se empregou no mais importante jornal do país do início do século vinte. Falo do “Estado de São Paulo”.

Não se sabe bem qual foi a razão de a direção do maior jornal do país ter escolhido um noviço na profissão para cobrir o conflito que estava sendo travado no interior da Bahia e Pernambuco, entre o exército e revoltosos liderados por uma figura mística do sertão nordestino: Antônio Conselheiro. E não preciso ir mais adiante, pois foi lá, no front de batalha, que o noviço jornalista escreveu uma importante obra literária que se tornou um dos maiores clássicos da literatura brasileira. Posto isso, paro por aqui para voltar ao assunto mais adiante. Falemos da história de vida de outro personagem.

Ele se fez médico pela tradicional Universidade Federal de Minas Gerais. Por anos, o protagonista desta história poderia continuar naquela vida pacata de médico do interior, amplamente reconhecido pela sociedade à qual prestava seus serviços médicos. Inquieto, todavia, com aquela vida sem graça, ele se decidiu por uma mudança radical em sua vida.

Largou, então, a profissão e prestou um dos mais concorridos concursos do Brasil: o do Itamaraty. Passou entre os primeiros colocados. Como cônsul, morou na Alemanha, conheceu a mulher da vida dele, Aracy, e voltou para o Brasil consagrado como um dos nossos maiores escritores. Até hoje, aliás, tenho uma dúvida: quem é o mais importante autor da literatura brasileira: Machado de Assis ou ele. Voltaremos a essa discussão mais adiante. Antes, porém, apresento o caso de um escritor que se contrapôs às carreiras de sucesso do seu pai e do seu irmão, médicos que integraram o primeiro time da medicina europeia. O pai teve trabalhos de pesquisa reconhecidos pelo mundo afora. Entretanto, passado mais de um século, o que resistiu às areias do tempo foram as obras-primas do escritor do romance mais importante da França. Posto isso, vamos, pois, aos nomes de cada personagem dos casos que muito se assemelham quanto às mudanças em suas vidas.

O primeiro personagem da nossa história é um dos maiores escritores do Brasil e que é autor de um clássico da literatura do país: “Os Sertões”. O segundo é outro integrante do primeiro time das letras nacionais: o grande João Guimarães Rosa, autor do clássico “Grande Sertão: Veredas”. Por fim, o último, trata-se daquele que é tido como o maior romancista francês de todos os tempos: Marcel Proust, autor do livro considerado um dos patrimônios das letras universais: “Em Busca do Tempo Perdido”.
Como observação conclusiva, coloco a seguinte indagação: nessa luta entre a razão do apenas técnico e a emoção expressa pelo saber humanístico, o que prevalece? Ao meu juízo, o técnico, enquanto técnico, constrói em um mundo concreto da razão pela razão. E, a respeito disso, ninguém se lembra das pontes construídas por Euclides da Cunha, no interior de São Paulo. O que eternizou o autor de “Os Sertões” foi a obra-prima a ele correlacionada.

No que tange aos caminhos percorridos pelo escritor Marcel Proust, seu pai e seu irmão tiveram apagados da memória os feitos científicos das realizações, mas jamais se apagará a história monumental contida nas 3 mil páginas de um dos maiores romances do mundo.
Estou convencido de que, de fato, resta, mesmo, o trabalho do humanista e seu trabalho invisível contido em romances, poesias, contos, ensaios, peças teatrais e diferentes tipos de obras de arte. Tudo isso prevalece ao mundo visível das pontes, estradas, carros… que alimentam o prazer no curto prazo, mas jamais saciam o vazio contido na eterna dúvida Shakespeariana do ser ou não ser existente em cada um de nós.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de empresas, Mestre em Energia pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de “Crônicas de um Rebelde”.

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