Dona Hayde recorda os feitos memoráveis de seu pai, Marino Briguenti

Muito antes de antenas modernas e redes digitais, Santa Rita do Sapucaí já pulsava tecnologia na ponta dos dedos de gente extraordinária. Entre eles, Marino Briguenti — radioamador, pioneiro, telegrafista, mecânico, inventor e protagonista de histórias que misturam solidariedade, coragem e pura genialidade. Prepare-se para conhecer relatos incríveis sobre códigos Morse, salvamentos improváveis, os primeiros sinais de TV no Sul de Minas e a forma como um homem simples mudou a rotina inteira de uma cidade.

O seu pai, Marino Briguenti, era radiomador?
Sim. Seu prefixo era PY4ASC. A letra P indica que é no Brasil. O quatro indica que é a Zona 1, formada por Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e outros estados. Já o ASD é a identificação do usuário. O meu irmão, Reginaldo, tornou-se radiomador antes do meu pai e seu prefixo era PS4ANO. Foi o primeiro radioamador de Santa Rita. Naquela época, era preciso fazer exames para ser autorizado a conversar e saber até telegrafia.

Como eles aprendiam telegrafia?
Para aprender a telegrafar, papai contratou um telegrafista que vinha dar aulas para ele e para o Paulinho Dentista, que foi prefeito de Santa Rita. A oficina do meu pai era nos fundos e ele montou um telégrafo para treinar. Ao todo, uns quatro radioamadores vinham exercitar. Eles pegavam uma revista e, enquanto um escrevia o que estava nela, o outro escutava o código morse e traduzia. Mas como era difícil e eles já sabiam mais ou menos o que estava escrito, antes de terminar a transmissão eles já escreviam. Quando o professor percebeu que eles estavam trapaceando, pegou uma revista em inglês, com muito Y e H, para eles não conseguirem adivinhar as letras sem precisar decifrar. Até eu cheguei a aprender o código Morse. Eu sabia telegrafar e pronunciava os sons que cada letra tinha, até o meu pai montar um aparelhinho para a gente praticar. Eu nem sei por que não fiz o exame, mas já estava preparada. A dificuldade é que, quem transmitia, era muito rápido e ficava difícil de acompanhar.

E seu pai montou uma boa estação?
Ele tinha uma sala lá nos fundos e montou a aparelhagem toda lá. Daqui de casa a gente ficava escutando eles conversarem. Eu achava aquilo uma coisa muito sadia porque tratava-se de um serviço comunitário. No radioamador era proibido falar de política, religião e falar em dinheiro. Lembro que eu falava para a Leda, mulher do Paulinho: “Tirando a chatice das visitas, radioamador é uma beleza!”

E eles conversavam com pessoas distantes?
Às vezes, a propagação dava lá na Bahia! Teve um caso em que uma mulher de Cachoeira de Minas estava precisando de atendimento médico com o doutor Edmundo, havia propagação do sinal para o nordeste, mas não entre aquela cidade e Santa Rita. A mulher estava grávida, passando muito mal e precisava urgente de um médico. Por telefone não dava para conversar, porque o caso era urgente e era preciso aguardar quatro horas para uma ligação. A saída foi enviar uma mensagem de Cachoeira para a Bahia, pedir para alguém lá comunicar aqui em casa, para avisarmos o doutor Edmundo que ele precisava fazer o parto complicado da mulher. A paciente teve a vida salva graças ao radioamador. Era um serviço muito bonito e todos eram muito unidos. Era algo mais comunitário e que ajudava mesmo as pessoas.

O seu pai foi um dos pioneiros na recepção de TV na região?
Os sinais de televisão chegaram ao sul de Minas por causa de um núcleo de pesquisas de Brazópolis, chamado SubTel. Meu pai dizia que tinha um tal de Nenzinho lá que era um gênio. Eu perguntava para o meu pai como ele poderia entender de uma coisa tão moderna. E ele não sabia responder.
Quando meu pai decidiu receber sinais de televisão aqui na cidade, fomos lá no morro do cruzeiro. Ele subiu com um jipe da prefeitura e nós subimos a pé. Chegando lá, foi só chuvisco! Nada de imagem. Quando fomos no alto do morro, nas terras do Zé da Lívia foi a mesma coisa!

Quando começou a chegar sinais de televisão por aqui?
O sinal só começou a chegar quando quando o pessoal de Brazópolis veio para cá e começou a gerar sinal para a cidade. Meu pai instalou o aparelho de TV na oficina que existia aqui nos fundos de casa e vinha um povão, todos os dias, assistir. O portão ficava aberto, eles vinham aqui e ficavam o dia inteiro assistindo. Eu gostava muito do Bonanza, que passa até hoje. Era ótimo! Engraçado que quando a TV colorida começou a funcionar, as imagens era em branco e preto até quatro da tarde e só depois coloria. Só tinha um canal, que era o Canal 4. Mais tarde, meu irmão começou a consertar TV. Não faço ideia de como ele aprendeu. Depois começou a fazer aquelas antenas de torre, que ainda têm na cidade.

E como foi o caso do Ride?
Em 1960, o Ride foi desfilar em Belo Horizonte, seria transmitido pela TV Itacolomi e o único lugar da cidade em que pegava sinal era na oficina do meu pai. Eu sei dizer que o povo do Ride veio todo pra cá! Aqui é todo mundo Democráticos e eu disse para um rapazinho que veio ver o desfile: “Se alguém perguntar o seu bloco, tem que responder que é Democráticos, heim?! Senão você vai apanhar!” Ele morreu de rir!

O senhor Marino trabalhava nos democráticos?
Ele ajudava a fazer os carros alegóricos. Lembro quando ainda não havia iluminação nos carros alegóricos e meu pai colocou uma luz que ficava piscando, pela primeira vez. Foi um sucesso! Naquele ano, nós saímos iluminados e o outro bloco saiu no escuro. Foi muito bonito!

Ele também trabalhava com beneficiadora de café?
Sim! A fábrica da beneficiadora chamava Dandrea e ficava em Limeira. O equipamento vinha em partes e o meu pai montava nas fazendas. Meu pai dizia que quem fez o nome dele na cidade foi o senhor Ico Adami, que indicava o serviço dele para todo mundo: “Pode chamar o mecânico que ele é bom!” Meu pai tinha um ajudante com apelido de Currila. Quando iam trabalhar nas fazendas, passavam a semana inteira trabalhando sem voltar e alguns fazendeiros não gostavam porque o meu pai colocava o Currila para sentar com todo mundo à mesa. O rapaz era negro e existia preconceito. Meu pai falava: “Não quero nem saber se alguém não gostar! Ele vai se sentar junto com todo mundo!”

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