Uma conversa de botequim com os amigos José Roberto e Paulo Penato

No último mês, nos reunimos com Paulo Renato, Marcus Bressler, José Roberto e sua esposa, Dona Maria, para conversar sobre a trajetória de um dos bares mais bacanas de Santa Rita do Sapucaí. Conheça, a seguir, um pouco da história desse estimado comerciante santa-ritense.

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Carlos Romero: O senhor trabalhava com o quê, antes de abrir um bar no centro da cidade?

José Roberto: Eu tinha uma vendinha na roça! Eu tinha uma daquelas vendas de roça, lá no Córrego Raso, ao lado da Cooperrita. Desde os nove anos, já trabalhava no ramo! O comércio era do meu pai e comecei a tocar quando ele parou. Naquela época, eu vinha fazer compras aqui no senhor Alcion Brentan. Ele fabricava o Guaraná Regina e a minha maior alegria era ganhar um guaranazinho dele quando terminava de negociar! Aquele tempo era difícil, parceiro! Quando assumi a pastelaria não tinha nem bicicleta para vir à cidade. Meu primo me emprestou a dele, até eu comprar a minha.

Paulo Renato: Quando você comprou a Pastelaria Indiana, Zé?

José Roberto: Eu me estabeleci na rua da ponte, no dia 14 de agosto de 1969! Eu tinha 23 anos, na época. Quem comandava a Pastelaria Indiana, de início, era o Expedito. O pastel dele era uma delícia! O povo rico da cidade vinha tudo comprar dele! Quando o dono da Pastelaria Indiana morreu, o Tino, que trabalhava com o Joaquinzinho, assumiu o estabelecimento. Eu já estava esperando para pegar o ponto, há muito tempo. Depois de uns dois anos, ele achou o espaço muito pequenininho, mudou para a esquina e eu o aluguei. Mantive a mesma função de antes de assumir o ponto. Eu era amigo do Expedito, tinha vindo da roça e ele me ajudava muito! Desde os tempos da venda ele já me incentivava e me ajudava lá na roça!

Carlos Romero: As coisas foram bem difíceis no tempo da pastelaria, então…

José Roberto: Eu não tinha nem fogão! Fritava o pastel em um fogãozinho de querosene. O Hugo do José da Silva foi quem me ajudou muito no começo. Ele me viu naquele estado e falou: “Quando chegar um fogão usado melhorzinho pra vender lá, eu vou arrumar pra você”. No dia em que ele parou a caminhonete e desceu um fogão pra arrumar pra mim, foi uma alegria! O mesmo aconteceu com a geladeira! Eu não tinha geladeira e ele disse que também iria arrumar uma usada pra mim. Quando ele trouxe, as coisas começaram a melhorar!

Carlos Romero: Quem mais vinha comprar no seu estabelecimento?

José Roberto: Além do pessoal da cidade, o povo da roça vinha em peso comprar! Naquela época, não tinha indústria e havia muitos trabalhadores rurais que vinham nos finais de semana e ficavam todos aqui na frente (Rua da Ponte). Quando morria alguém no Bom Retiro, eu sofria para atender todo mundo que chegava no bar! Eles chegavam em caminhões.

Carlos Romero: Da turma que passou a frequentar o bar, quem foi o primeiro?

José Roberto: Eu era muito simples. Ainda não conhecia a turma da sociedade santa-ritense. Um dia, o Cyrinho estava descendo a rua com o Marcos Baracat e comentou que tinha achado o bar bonitinho. Eles resolveram tomar uma e, dali para a frente, veio a turma toda!

Paulo Renato: Eu morava em São Paulo nessa época e vinha quase toda semana para cá! O Cyro comentou comigo que havia descoberto um barzinho joia, na rua da ponte, e fui conhecer o estabelecimento quando cheguei à cidade. Desde então, nós ficamos fregueses! Frequentei o bar até fechar. Dali em diante, vieram o Pipico, o Lua, Paulo Jacaré, Padre Ramon, o Jader, Caio Nelson, Pingo, Paulinho Dentista, Manuel Colchete, Rubens Carvalho e muitos outros!

José Roberto: Essa turma formava um grupo muito grande e todo mundo frequentava o meu bar. Lembro que, quando vinha gente rica e conhecida para cá, os fazendeiros iam receber essas pessoas lá na rodovia. Quando chegavam aqui de noite, as autoridades estavam todas bebendo no meu bar! Já aconteceu do governador Newton Cardoso vir tomar uma cerveja aqui! Vinha, também, deputado estadual, federal… Deputados federais vieram uns dois: José Pereira da Silva e Rosemburgo Romano.

Paulo Renato: Eram inúmeras as pessoas que frequentavam o bar do Zé! Vinham, inclusive, muitas moças! A história do Bar do Zé se confunde muito com uma parte da história da cidade, no período em que estava no auge!

Carlos Romero: o bar tinha espaço para mesinhas?

Paulo Renato: Não tinha nada! Tanto que colocaram o apelido de “BBF”, que era “Bar Bunda de Fora”! Cabiam quatro pessoas dentro e o resto ficava na rua! O espaço era pequenininho, mas era uma delícia! Um fato interessante é que o planejamento da campanha do Ronaldo, em sua primeira candidatura como prefeito, foi todo feito no bar do Zé! A gente sentava para tomar uma cerveja e ficava bolando o que iria fazer. O cartaz que era colado nos postes da cidade foi criado em cima do balcão do bar! A sede do MDB era do outro lado da rua (atual loja da Claro) e a gente ficava mais aqui do que lá! O Márcio Faria era o secretário e eu coordenei a campanha. Naquela eleição foram três candidatos: o Fábio Mendes com o Edson Marques, o Doutor Arlette e o Josué Dentista. Lembro que eles falavam no comício: “Somos três contra um”! Porque somavam os votos. E eu respondia nos nossos comícios: “Somos o povo contra os três!”

Maria (Esposa de José Roberto): Eram duas portinhas de madeira. A moçada ficava toda na rua comendo pastel! Era um movimento danado. Uma época em que não havia supermercado… havia somente armazéns e padarias. A cidade era muito pequenininha.

Carlos Romero: Você poderia contar sobre o lendário sanduíche Araçatuba?

José Roberto: Era um sanduíche feito com pão de milho, mortadela e queijo mineiro! Quem deu este nome foi o Paulinho, por ser uma cidade vizinha a Bauru! Ele dizia: “Não desça e nem suba! Sanduíche é Araçatuba”! Eu lembro que teve uma gincana na praça e pediram um sanduíche tradicional, com nome de cidade. Uma turma levou o meu sanduíche e o Zezinho do Arnaldo inventou de criar outro com o nome de Mogi-Mirim! Inventou na hora! Você acredita que ele ganhou? Fiquei chateado com aquilo!

Carlos Romero: E como era no carnaval?

Paulo Renato: A gente festejava em uma salinha que tinha no fundo do bar! Lembro uma vez em que pegamos as linguiças que estavam dependuradas no bar, enrolamos no pescoço, prendemos vários sanduíches de Araçatuba no corpo e fomos para o Clube fantasiados de tira-gosto! A fantasia não durou muito, porque o povo arrancava pedaços da fantasia e comia! Voltei para casa fedendo linguiça!

Paulo Renato: Você ficou quanto tempo no ponto da Pastelaria, zé?

José Roberto: Fiquei 13 anos naquele lugar! Depois eu desci para o ponto do seu pai (final da rua da ponte, na esquina da rotatória) e o bar passou a se chamar “Beira-Rio”. Quem batizou foi o Raposo (Paulo Renato) com o Cyrinho. Desde então, o meu irmão assumiu o ponto da pastelaria. Pegou o bar prontinho e com a freguesia assídua. Eu tenho orgulho de dizer que o único bar que fez o Bloco dos Democráticos descer aqui na rua da ponte foi o Beira-Rio, durante o carnaval! Desfilaram na Silvestre Ferraz por causa do bar!

Paulo Renato: O engraçado é que, na época, meus amigos todos eram Democráticos! Só eu que era do Ride! Minha mãe era costureira do bloco e fui criado dentro do Ride Palhaço, então não tinha jeito!

Carlos Romero: dava muita gente no Beira-Rio?

José Roberto: Eu comecei com um restaurantezinho bem devagarzinho e, no final, começou a encher de gente a boca da ponte! Os viajantes que passavam pela região deixavam de ir à Mavesa pra vir comer aqui. A Maria, minha esposa, ficava na cozinha e fazia uma comidinha tradicional que era deliciosa!

Paulo Renato: Tinha um frango frito que a Maria fazia que era uma coisa de louco! Era um frango a passarinho com vinagre.

Maria (Esposa de José Roberto): A Elisa do Paulinho Dentista fala até hoje desse frango! Ninguém faz mais igual eu fazia. Eu fritava na gordura de porco. Naquele tempo não tinha frango de granja! Era só frango caipira. Hoje, eu acho que nem pode vender mais… o que é artificial tomou conta.

José Roberto: A Maria tem uma mão para fazer comida que é incrível! Eu faço a mesma receita e não fica igual! Ela fritava torresmo e juntava duas ou três latas de banha! A diferença é que os porcos que existiam naquela época, não têm mais hoje! Eu comprava só do Dito Zeferino, lá no Mercado! O porco era sapecado. Ele vinha queimado, a gente limpava a pele, colocava bicarbonato e deixava descansar na geladeira. Eram 18 petiscos: tinha rabada, pé de porco, quibe, carne de panela, moela e muitos outros.

Carlos Romero: E as bebidas do bar?

José Roberto: A estudantada do Inatel gostava muito de caipirinha! Lembro que eu colocava um dedinho de pinga, enchia o resto de suco e, ainda assim, eles ficavam tontos!

Carlos Romero: Vocês ficaram quanto tempo na boca da ponte?

José Roberto: Ficamos lá um ano e meio. Depois nos mudamos para a Rua Horácio Capistrano.
Marcus Bressler: Aconteceu alguma briga marcante no bar?

José Roberto: Aconteceu uma no tempo da pastelaria e outra no meu último ponto. Teve uma briga de um freguês com um cabo da polícia que foi feia! O cabo colocou a mão no revólver umas três vezes e eu pensei que eles fossem arrebentar o meu bar! O destacamento chegou a prender o rapaz, mas ele não ficou muito tempo na cadeia. Em outra ocasião, um homem amarrou o cavalo na porta do bar e começou a beber com o filho dele. Enquanto eles tomavam uma, o cavalo ficava com a cabeça pra dentro do estabelecimento e, quando o homem ia ao banheiro, o animal ameaçava entrar para acompanhá-lo! Lá pelas tantas, o filho começou a botar pilha, ele montou no cavalo e resolveu entrar no bar! O filho tentou segurar o bicho de tudo que foi jeito e tomou umas cinquenta chicotadas na cabeça! O bicho começou a escorregar com as patas da frente dentro do bar e saía até faísca do chão! O Paulo Renato com o Cyrinho ficavam só olhando do balcão.

Carlos Romero: Como foi o seu passeio no avião do Zezico?

José Roberto: O Zezico tinha um estacionamento, onde hoje é a Metagal e havia um restaurante do Zé Chiquito (irmão do Manezão) que funcionava junto com o comércio de veículos. Eu vendia laranjas na época e me convidaram para trabalhar com eles de garçom. Nunca vi um movimento daqueles na minha vida. Eram mais de 80 refeições por dia para os caminhoneiros e viajantes que passavam por ali! O Zezico vendia carros usados e chegou a ter mais de 150 carros nos estoque. Ele tinha avião que usava para fechar negócio! Começou com um teco-teco e depois comprou um Cessna. Havia dois pilotos trabalhando lá e, certa vez, um deles me convidou para dar uma voltinha. Eu me sentei no banco da frente e o piloto sentou no de trás. Ele dava aquela subida e descia com tudo! Quando eu via o chão se aproximando, as minhas tripas quase saíam pela orelha!

Carlos Romero: A freguesia do Zezico era grande?

José Roberto: Todo dia havia uns 40, 50 compradores de carros por lá! Tinha dia em que decolava com o avião e o povo saía pela rodovia atrás dele! Virava uma procissão atrás do homem!

Carlos Romero: Até que ano o senhor trabalhou com bar?

José Roberto: Trabalhei com bar até 1999! Faz 25 anos que eu parei.

Paulo Renato: Em 1969 eu ainda morava em São Paulo. Ficava numa ansiedade para chegar sábado e poder voltar para cá, que você não imagina. Eu chegava a matar aula e vir na quinta-feira só para encontrar a turma.

José Roberto: Eu lembro que o Paulo Renato pegava dinheiro com o pai dele para ir para São Paulo, mas ia para a casa do Cyrinho e ficava a semana inteira bebendo lá!

Neste momento, aproveitamos a presença do Paulo Renato para entrevistá-lo…

Carlos Romero: Que curso você fez, Paulo?

Paulo Renato: Fiz comunicação com especialização em relações públicas! Estudei na USP, na chamada ECA (Escola de Comunicação e Artes). Quando estudava lá, fui colega de escola da Regina Duarte e do Nuno Leal Maia. Ele era companheirão meu. Também fui aluno do Gianfrancesco Guarnieri e do Walter Avancini.

Carlos Romero: Como foi a sua ida para lá?

Paulo Renato: Eu tive muita sorte! Passei sem estudar, sem fazer cursinho, nem nada! Eu estava por dentro dos assuntos que caíram na prova e acabei me saindo bem. A faculdade era um espetáculo! Você não pagava nada, tinha alojamento, alimentação, médico, dentista e ainda recebia uma ajuda de custo! Somando todos os cursos, havia 80 mil alunos na faculdade! Tenho saudades de lá…Por ter integrado a segunda turma, fui o primeiro mineiro do país a estudar naquele curso de comunicação!

Carlos Romero: Você chegou a lecionar na USP?

Paulo Renato: Sim! Quando eu fui trabalhar no Inatel, a instituição me emprestou à Motorola e eu voltei para dar aulas lá! Dei aulas na USP, Unicamp, no ITA e em mais 6 universidades. Fiquei girando… Eu oferecia treinamentos para professores e alunos. Fiz este trabalho por cinco anos.

Carlos Romero: Você trabalhou quanto tempo no Inatel?

Paulo Renato: Trabalhei por 20 anos no Inatel e já estou há 52 anos na FAI! Comecei a dar aulas na FAI quando a escola ainda estava instalada na avenida Delfim Moreira, no antigo Seminário, em 1974.

Carlos Romero: Como é seu trabalho na FAI?

Paulo Renato: Eu tenho um grande amor por aquela instituição porque a minha carreira teve início lá, em 1974. Além de dar aulas, nós temos uma clínica de atendimento psicopedagógico. É um ambiente voltado para alunos com dificuldades de aprendizagem, déficit de atenção e outros casos que a gente atende através de métodos adequados.

Carlos Romero: Você é professor da Faculdade Aberta à Maturidade?

Paulo Renato: Fui o primeiro professor da Faculdade da Maturidade! Lá, eu dou aulas de uma matéria chamada “Técnicas de Desenvolvimento da Memória e Concentração”.

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