Lembro-me de uma noite de São João, por volta das vinte e três horas. O baile do clube estava animado quando desci pela rua da ponte, acompanhado de meu pai. Íamos conversando sobre coisas fúteis, sob um céu muito estrelado e um frio de anestesiar as orelhas. O silêncio era quase absoluto. De vez em quando, ouvia os sons da orquestra, no baile de São João, ou o pio triste de uma coruja no bambuzal.
Descemos pela rua Custódio Ribeiro e enveredamos pela avenida Delfim Moreira com destino à Antônio Telles, onde morávamos. De repente, o alarido dos cães quebrou o silêncio da noite, lá pela várzea do João Pelonha. Continuamos a conversa. Indaguei meu pai sobre a hipótese de ter sido um lobisomem, pois a noite era propícia. Destituído de crendices, ele respondeu-me, sorrindo: “Lobisomem só existe na imaginação das pessoas ignorantes!”
Quando estávamos próximos à Escola Normal, topamos com um animal preto, comendo algo no chão. Chamei a atenção do meu pai para aquilo, dizendo: “Olha lá um lobisomem, pai!”. Ao aproximarmos um pouco mais, notamos que era uma espécie de cão, bem grande, cuja parte posterior era bem mais alta do que a traseira. As patas eram enormes, como as de um macaco. Foi aí que o meu pai, falou: “Ué! O bicho tá esquisito mesmo!”. O animal ergueu a cabeça para nos encarar e pudemos notar a ausência completa do focinho. Parecia mesmo a cara de um macaco. Rapidamente, abaixei-me para apanhar uma pedra. O bicho deu um salto de onde estava e foi parar do outro lado da avenida, nos encarando. Atirei a pedra em sua direção e ele saiu, disparado, rumo à ponte metálica. Em seu encalço, saíram todos os vira-latas que encontrou pelo caminho. Minutos depois, ainda ouvia os latidos desafinados da cachorrada.
Eu não creio em duendes, não creio em assombração, em corpo seco e nem em lobisomem, mas aquele bicho que encontrei é uma prova cabal de que o velho Cervantes não mentia quando afirmou: “Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay”.
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