(Por Maria Helena Brusamolin)
Na minha crônica anterior, descrevi a rua da minha infância até por perto da casa de Dona Iracy dos Santos, dentista e poetisa, enérgica, de poucos amigos e que amedrontava os pequenos com seu ar severo. Ai de quem se atrevesse a entrar sorrateiramente no seu pomar, que mais era um mataréu cheio de cobras, diziam os adultos.
Ali era o limite que nossos pais estipulavam para a perambulação, mas crianças, claro, adoram ir além. Continuando, na esquina ficava a residência do Sr. Alcides Mendes e de Dona Elvira, um casal muito simpático, cuja casa eu frequentava por conta de minha amizade com as netas Beth e Maria Elvira. Na frente morava meu irmão Zé Padoia que começava a constituir sua família com sua eterna Heloísa. Ali nasceram meus sobrinhos Rodolpho, Ronaldo, Roberto e Raquel.
Em seguida vinham duas casas geminadas, divididas entre as famílias do Sr. Mário Iemini e de Ramon Gaudino. Aliás, por falar na família Iemini, tenho uma história que aconteceu no quintal da casa de meu irmão, pois devo minha vida à amiga Cida Iemini, que tirou minha cabeça da água e me salvou de morrer afogada num repuxo de 20 cm de altura, cheio de peixinhos e de lodo! Valeu, Cida! Não fosse por você, eu não estaria aqui hoje contando estas historinhas…
A casa mais interessante da rua era a do Sr. Miguel e Dona Zica Vianna, uma casa linda, grande, com um jardim cheio de plantas e um quintal enorme. Mais tarde foi adquirida pelo meu irmão José e hoje quem mora nela é minha cunhada Heloísa. Eu me lembro do Sr. Miguel sempre adoentado, necessitando de cuidados. Tinha uma família grande que vinha para Santa Rita nas férias e a rua ficava animada, cheia de crianças que dividiam conosco as brincadeiras.
Do outro lado da rua ficava a Companhia Sul-mineira de Eletricidade e, em seguida, a casa do Dr. Elpídio Costa e Dona Maruca, simpáticos, risonhos e sempre elegantes. Seguindo essa casa havia um prédio enorme: numa parte morava o Sr. Longuinho e sua esposa dona Áurea Guerzoni, uma típica descendente de italianos, falante, brava, que gesticulava bastante enquanto falava. Na outra parte do mesmo prédio ficava a Escola Nossa Senhora de Fátima uma escola primária particular administrada por freiras. Meus pais me matricularam lá quando completei 6 anos, mas a imagem daquelas freiras severas vestidas de preto me assombrava e, um belo dia, eu resolvi que queria ir embora. Aprontei um berreiro e me atraquei com uma delas que tentava me segurar. Esmurrei tanto a pobre coitada que fui convidada a ficar em casa até criar juízo.
Não me lembro dos moradores da casa da esquina em frente nem de já existir naquela época a casa do Sr. Mauro Cunha, mas me recordo muito bem da residência do Sr. Antônio Gaudino, do casarão de dona Neneu Sodré, da farmácia do Sr. Adelino, com seus vidros cheios de bolinhas coloridas – devia ser algum remédio – mas que atiçava nossa vontade de comê-las. Minha amiga Moema, filha do Sr. Sílvio Palma, morava bem em frente e era minha colega de classe e companheira no percurso até o Colégio Estadual Sinhá Moreira, que na nossa época era chamado de Escola Normal. Primeiro ano primário: encontrávamos na esquina e descíamos de mãos dadas até a escola, de uniforme constituído de saia pregueada azul marinho, blusa imaculadamente branca, sapatos e meias pretas, e um famigerado laço de fita no cabelo, item obrigatório. Ali pela quinta série a gente odiava esse laço, mas a diretora Alice Teixeira era implacável. Ai de quem estivesse sem ele! Já começávamos a paquerar os meninos durante o recreio e aquele laço era a desgraça da indumentária!
Depois da casa do Sr. Sílvio Palma, vinha a casa do Dr. José de Luna e sua esposa Dona Edméa, uma pessoa ímpar, alegre, barulhenta e com uma imensa prole. E em seguida morava a família do Sr. Antônio Carneiro com seus vários filhos, dentre eles meu amigo Luís Carlos por quem minha colega Clara Romero caiu de amores, sendo a recíproca verdadeira. Dessa união surgiu meu amigo Carlos, editor deste jornal, pessoa que muito admiro, com quem troco ideias e figurinhas, além de ser o meu apresentador no livro que em breve irei lançar.
E para finalizar a crônica dessa rua tão emblemática, considerada por muito tempo uma das mais importantes da cidade, juntamente com a Rua Silvestre Ferraz, não poderia deixar de falar no armazém do Zé da Silva. Meu pai também tinha um armazém daquele tipo, mas a criançada adorava explorar novos rumos e lá íamos nós rua acima ver o que havia de diferente no outro. Dona Dinorah estava sempre atrás do balcão, exibindo aquele sorrisão que deixou saudades. O dono, de vez em quando, espantava a criançada que fazia bagunça e atrapalhava o andamento do negócio. Hoje, infelizmente, esse armazém não existe mais. Resistiu durante um bom tempo, mas agora faz parte de um passado romântico e de uma paisagem que foram sendo modificados e substituídos pela tal modernidade…
Mas lá, no piso superior, ainda mora a minha querida amiga Cresilda, filha do Sr. Zé da Silva e Dona Dinorah. Ouvi dizer que ela comentou que, na minha crônica anterior, eu parei na esquina da Zica Vianna porque, pertencendo ao Ride Palhaço, eu não subiria o propalado morro do rival, o bloco dos Democráticos! Adorei!
Taí, amiga Cresilda! Nossa “rivalidade” não passa de um estandarte. Nossa amizade e carinho mútuos não têm discriminação e são muito maiores que tudo isso. Abraço imenso!
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