Colunistas

Santa Rita do Sapucaí são muitas

(Por Carlos Romero Carneiro)

No poema “Os nomes”, Carlos Drummond de Andrade diz que “Minas são muitas. Porém poucos são aqueles que conhecem as mil faces de Minas.” Talvez aconteça o mesmo em Santa Rita do Sapucaí, com seu cotidiano e diversidades.

Tem aquela Santa Rita que surgiu na zona rural e se projetou pelo centro, entre casarões e calçadas estreitas, onde os nomes das famílias ainda ecoam nas esquinas — descendentes dos portugueses e imigrantes que vieram quando o Brasil mal aprendia a ser Império. Essa Santa Rita tem cheiro de bolo no forno, de procissão pelas ruas de pedra, de passeios pelo jardim e de café passado em coador de pano.
Mas tem também a outra Santa Rita. A que cresceu nas Margaridas, com loteamentos novos e filhos de lavradores que trocaram o cabo da enxada pelo ferro de solda, pela bancada de eletrônica, pelas linhas de produção. Gente que chegou em busca de trabalho, de melhores salários e de futuro.

De um lado, planta-se café, ordenha-se leite, colhe-se milho com as mãos. De outro, soldam-se placas de circuito impresso, programam-se sistemas embarcados, montam-se dispositivos que viajam para os quatro cantos do país e, quem diria, até para fora dele.

Tem a Santa Rita que se educa nas escolas do Vintém e do Bom Retiro, e aquela que caminha pelos corredores da ETE, da FAI, do Colégio Tecnológico e do Inatel — onde o saber técnico encontra a vocação de uma cidade que ousou se reinventar.

Tem a Santa Rita da missa das sete, da gira de sábado, do culto com louvor, das reuniões secretas, das sessões espíritas e do terreiro do Café. E tem a cidade do silêncio, dos que não creem e dos que não rezam mas têm fé que tudo vai melhorar.

Há quem conheça e seja sócio do Santa Rita Country Clube, onde o som da piscina se mistura ao das risadas na sauna. Outros vivem a Santa Rita do Sininho, do Padrinhos, do Haroldo, da Casa de Sinhá, do Trabalho e do The Town, onde se joga conversa fora e onde o tempo é tragado bem devagar. Algumas pessoas, entretanto, estão longe demais. Não conhecem nenhuma dessas cidades e não podem se dar ao luxo de viver tais realidades.

Há uma Santa Rita de ruas descalças, outra de asfalto. Ruas com nomes de Coronéis, de mulheres corajosas, com nomes de Santos e de Cutubas. Ruas que ligam o que foi ao que virá na medida em que o município cria oportunidades e projeta pontes para nos conectar de uma ponta a outra. Mas há também uma cidade com ruas onde o rural e o urbano apertam as mãos, ainda que nem sempre se entendam. É por elas que trafegam aqueles que conhecem o trabalho debaixo do sol, as trilhas de motocross e o caminho que dá na rampa de voo livre.

Santa Rita também é palco de contrastes: uma cidade do hip hop, das danças e rimas, da nostalgia progressiva dos Floydianos, das rodas de samba e do grito rasgado do rolê punk. Tem o hermético barracão de carnaval, as festas luxuosas do Urso — e também tem quem já nem ligue para carnaval, preferindo o sossego do feriado prolongado.

Cada esquina guarda um protagonista. Cada bairro, um herói anônimo. Alguns nomes viraram lendas de vizinhança; outros passam os dias como figurantes da própria história e são vistos somente nas filas do supermercado.

Santa Rita do Sapucaí não é uma só. É um caleidoscópio de experiências, tempos, crenças e vocações. Uma cidade que vive em camadas, às vezes sobrepostas, às vezes paralelas. Uma comunidade que se desenha no plural e, talvez por isso, permanece viva, complexa e intrigante. Santa Rita, assim como Minas, também são muitas, mas é (ou deveria ser) de todos nós.

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