Há muitas familiaridades entre a Gripe Espanhola e a pandemia que enfrentamos atualmente. Confira!
No dia 1º de janeiro de 1919, uma Assembleia Geral promovida pela Santa Casa “Hospital Antônio Moreira da Costa”, instituição localizada no local onde hoje está instalado o Colégio Tecnológico Delfim Moreira, fazia um balanço do ano anterior.
Através de um documento produzido pelo provedor da Santa Casa, João Luís de Souza Meneses, o documento trazia várias informações sobre o andamento dos trabalhos, dentre eles a Gripe Espanhola, que matou milhões de pessoas, em todo o mundo. Veja, a seguir, alguns trechos interesses desse documento:
Grippe
Quando assolou a população da cidade, pensei logo em aumentar o número de leitos, para assim, com mais vantagem, poder a Santa Casa acudir o maior número de enfermos. Quando nisso meditava, fui procurado pelo Agente Executivo. Ele vinha me expor o seguinte:
– A grippe alastra-se, e os recursos com que a Câmara vem auxiliando os grippados são efêmeros! Os doentes não cuidam de si e não se tratam! E, segundo dizem os médicos, são já muitas pneumonias. Não poderá a Santa Casa aumentar o número de leitos para, assim, auxiliar a Câmara nesta emergência, e maior expansão dar tratamento aos grippados?
– Perfeitamente, respondi-lhe; já pensava em aumentar os leitos, utilizando-me – para isso – da sala de operações e uma outra que tem sido reservada.
– Mas, além destas duas salas, não terá o estabelecimento meios de improvisar outras enfermarias?
– Sim. A Santa Casa sempre se esmerou em bem cumprir os seus deveres, mormente neste momento de angústia, que preocupa todas as almas nobres, como a do Agente Executivo, que vem aqui cumprir o primeiro dever do Cristianismo, que é tratar de dar conforto aos enfermos. Podemos, ainda, utilizar a parte superior do alpendre, para ali ser instalada outra enfermaria, para mais 14 camas; depende somente de serem levantadas duas paredes internas, que ficarão prontas em três dias, inclusive a caiação. Com este aumento, podemos dispor de 50 leitos, o que me parece suficiente para atender os grippados, mesmo porque os doentes deste mal, sendo bem tratados, logo deixam o lugar para outros, e sem correr perigo. Todos os que daqui tem saído, vão convalescidos, e nenhum teve recaída; o que – com prazer – relato ao Agente Executivo.
– Então vou tranquilo – disse-me ele – na certeza de que na Santa Casa vão caber as honras de maior combatente.
– Assim espero, respondi.
E ele retirou-se satisfeito por ver coroada de bom êxito a sua missão. Providenciei, logo, para serem levantadas as duas paredes e, enquanto isso se fazia, dava ordem no sentido de virem as camas de Pouso Alegre, porque não havia na cidade. Assim aparelhada a Santa Casa para que nada faltasse a tempo e à hora, era necessário que dentro do estabelecimento se intalasse uma Pharmácia.
A Pharmácia
E montamos, então, uma Pharmácia, em boa hora, pelo pharmacêutico Sr. Tavares da Silveira, que generosamente para isso se ofereceu, trazendo para seu auxiliar o Sr. José Adami, o que foi uma boa aquisição. Assim, com tudo bem disposto, julguei-me preparado para o ataque à gripe, parecendo-me tudo correr às mil maravilhas, quando, de súbito, aparece o que se chamou “Crise Médica”.
A crise médica
A situação tornou-se gravíssima; mormente por ser na ocasião em que a pandemia tinha chegado à fase mais aguda! Os gripados amontoavam-se. O Sr. Dr. João Alfredo da Cunha, que desde o começo da invasão vinha lutando ao lado de seu colega Sr. Dr. Adolpho de Paula Andrade, caiu vencido em dois de outubro, tendo ficado a Santa Casa somente a cargo de um médico, já com 43 enfermos, tendo que acudir mais doentes espalhados pela cidade, se bem que o Sr. Dr. Gama Cerqueira prestasse grandes serviços. Iam, todavia, as coisas correndo regularmente, quando também enferma o Dr. Paula Andrade e, logo depois, o Dr. Gama, tornando angustiosa a situação. Não tínhamos médicos! Nesta emergência, o Sr. Dr. João Alfredo, ainda convalescente, fraco e exausto, diante do dever e arriscando a própria vida, saiu em socorro dos doentes, principiando pela Santa Casa, onde já havia casos de pneumonias, tendo ainda que atender os doentes espalhados pela cidade, em grande número. E não tínhamos outro médico. Mas o excesso de trabalho ia prostrando-o novamente; sentia certo desânimo. Estávamos, outra vez, ameaçados. Não podia ele resistir aos embates da fraqueza! Eis que volta à luta o Sr. Dr. Gama e chega do Rio o Sr. Dr. Antenor Pinto de Almeida. Estava melhor a situação. O exmo Sr. Dr. Delfim Moreira, impelido, como já outras vezes, pelo amor a esta população, tendo conhecimento de nossa situação, mandou do Rio dois médicos, munidos de ampolas, que aqui não havia, para combater as pneumonias. Aqui chegados, logo entraram em contato com os enfermos, mas sempre com o Dr. João Alfredo a seu lado! Combinadas as fórmulas em número de seis, eram estas aviadas na Pharmácia da Santa Casa, em grande escala, para os doentes do estabelecimento, estes em número de quarenta e tantos, para o posto do Grupo, que havia sido instalado e ainda para os doentes externos, mediante receita médica. Desde o dia 26 de novembro, principiou declinar a epidemia. Indo aparecendo menos casos, mas não se extinguindo totalmente, pois, durante o mês de dezembro, ainda deram entrada na Santa Casa 40 doentes de grippe. Retirando-se os médicos do Rio, foi pouco depois dissolvido o posto do Grupo, sendo então retirados para a Santa Casa os enfermos que ali existiam, em número de 9, ficando o estabelecimento debaixo da guarda do Sr. Dr. João Alfredo e, pouco depois, também do Sr. Dr. Paula Andrade, já restabelecido da doença.
Muitos aplausos merecem da população todos os médicos, sempre solícitos em atender aos seus apelos, merecendo especialmente, os Drs. João Alfredo e Paula Andrade, pelos grandes serviços prestados, não somente por ocasião da Grippe, como no decorrer do ano que findou, sendo incansáveis e sempre trabalhando com carinho e amor pelos enfermos. Aos dois beneméritos clínicos apresento agradecimentos em nome da diretoria. Também é digno ficar registrado o nome do dedicado pharmacêutico, Tavares da Silveira, pelos serviços prestados à Santa Casa, manipulando todos os medicamentos para a Santa Casa, para o posto do Grupo e ainda para os doentes externos. Outra heroína por ocasião da grippe, foi a enfermeira, a mesma que serve o estabelecimento desde a inauguração, Dona Laurinda de Souza Carneiro. Manteve-se ela sempre no seu posto, chegando a ficar exausta, sem forças e sem alimentação, mas não entregou o corpo ao leito; ela sempre prestou relevantes serviços. Ficamos admirados com sua força de vontade para o cumprimento dos deveres. É este o histórico da Santa Casa, ao fechar o ano de 1918, sendo protagonista – a Grippe.
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