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Quando os antigos retornam ao morro (Por Carlos Romero Carneiro)

Impossível pensar nos tradicionais desfiles de carnaval e não me lembrar do meu pai. Apesar de nunca tê-lo visto dançar ou cantar música alguma, nunca vi alguém tão apaixonado pela folia como ele. Meu pai passou boa parte da vida envolvido com carnaval. Ao lado de Samuelzinho, fundou o Sol Nascente e trouxe os entusiastas da agremiação para dentro dos Democráticos. Ao lado destas mesmas pessoas, os lambões, macarrões, gentalhas, passarinhos, rolinhas e outros apelidos que ele gostava de chamar os outros, foi o responsável por dar proporção ao Bloco das Piranhas e criou – pouco antes de falecer – o bloco “O que sobrou”. Por muitos anos, se empenhou no barracão dos Democráticos enquanto o carnaval ainda estava longe. Ao seu lado, cansei de trabalhar – ainda criança – nos bailes que ele promovia aos sábados para arrecadar grana para o bloco. Meu pai cuidava do bar, o Cido Discoteca do som, o Joaquim ficava na portaria e eu vendia os ingressos. Muitos anos antes, na construção daquele prédio, via meu pai trabalhando como servente do saudoso Seu Hélio. E quando o barracão ficou pronto, fizeram uma grande festa e amarraram uma garrafa de espumante nos caibros que sustentam o telhado. Aquilo ficou muitos anos amarrado ali, com a data rabiscada no rótulo. Em ano de carnaval, meu pai corria ao barracão para reparar os fios, consertar os postinhos, trocar as lâmpadas, colocar o almoxarifado em ordem e consertar o quadro de energia. Ele se sentia importante fazendo aquele trabalho enquanto, ao seu lado, muitos amigos, alguns que também já partiram, batiam papo, trabalhavam e se confraternizavam entre as esculturas dos De Franco. Todo dia era um jantar diferente e sempre ficava alguma coisa para última hora. Seu Adirson, Badi, meu avô que ficava a cargo do gerador junto com o Léo, o Newton Brandão com o Rinaldo que montavam o trio, Chicão do Alemão, Cardão, Chico Coeio, Lázaro, o cozinheiro Zé Grilo que fazia um arroz empapado que meu pai adorava… a turma da Rua Nova, Waguinho Caputo, Amado, o também cozinheiro Candião, muitos outros que esqueci agora… todos amigos inseparáveis que davam boas risadas e transformavam aquele espaço em um ambiente mágico. Não me esqueço quando, no dia do desfile, o Taylor (que o meu pai chamava de Lambão), amarrou o cabo de iluminação no trator e subiu embalado a Chacrinha para esticá-lo. Meu pai colocou a mão na cabeça e começou a berrar: “Acabou tudo! Arrebentou o cabo!!!” Felizmente, deu tudo certo. Além de trabalhar pelo bloco, meu pai também registrava os desfiles. O Ride Palhaço ficava por conta do Iran. Para não ouvir que caprichou mais no Democráticos, ele pedia que o seu irmão fizesse o serviço, mas recomendava: “Pega tudo que é defeito! Filma tudo!” Meu pai vai me matar por isso…rs No fim das contas, fica a saudade de um tempo em que a comunidade se reunia em torno de um projeto incrível. Nos últimos tempos, preferi permanecer longe do barracão e de toda a correria na confecção dos carros. Me bate um vazio chegar naquele espaço em tempo de preparativos e não encontrar meu pai e nem aquelas pessoas que eu tanto admirava. Perdeu muito o sentido para mim. Neste ano, o bloco desfila na praça. Uma grande contrariedade dos mais antigos e, principalmente, do meu pai foi terem migrado o desfile para a avenida. Finalmente, as pessoas compreenderam que uma tradição só sobrevive por tanto tempo quando repetida de uma mesma forma. A correria, a montagem dos carros em frente ao grupão, as famílias nas janelas, faixas de uma e outra agremiação nas sacadas, as luzes que se acendem quando está tudo pronto, as moças que saem das casas de costura mais lindas do que jamais estiveram, o clarim que deveria ser tocado somente uma vez e no exato momento do desfile começar… tudo aquilo mexe com a comunidade que ajudou a montar o espetáculo e tal emoção é transferida ao público que puxa o cordão ou espera pelas luzes que começam a despontar atrás da igreja quando o Bloco aproxima. Há quem diga que muita gente que partiu retorna quando este ritual acontece. Não sei se acredito, mas torço para ser verdade.

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