Até 1910, a iluminação pública em Santa Rita era feita através do uso de lampiões a querosene. Ao anoitecer, um funcionário da prefeitura era encarregado de acendê-los e depois voltava, entre nove e dez horas da noite, para apagá-los novamente. Através da iniciativa da Câmara Municipal, o 1º artigo do Projeto 123 determinava a contratação de uma empresa para trazer a energia elétrica à cidade: “Fica o agente do executivo autorizado a contratar com quem mais vantagens oferecer, a instalação de uma indústria de eletricidade nesta cidade e município. E o fornecimento de luz elétrica, com privilégio, pelo prazo de vinte e cinco anos.”

Ao tomar conhecimento de que aquele empreendimento era de grande importância para o desenvolvimento local, Tonico Moreira decidiu assumir a empreitada e viajar à Alemanha para trazer uma usina que produziria energia para toda a região. Temerosos dos desafios a que o produtor rural seria submetido, familiares e amigos falavam sobre as barreiras impostas pela língua. Quando era alertado sobre os riscos, o homem enérgico e exigente, batia a mão no bolso e dizia: “Esse aqui fala qualquer língua.”

Segundo relatos publicados em antigos jornais, o filho de Antônio Moreira da Costa embarcou em um navio com destino à Europa e passou por grandes dificuldades, quando os oficiais da alfândega descobriram que ele carregava uma espingarda. Foi preciso bater a mão no bolso muitas vezes até que os fiscais “entendessem” que o empreendedor santa-ritense visitava o “Velho Mundo” em uma missão de paz.

Ao chegar à Alemanha, Tonico visitou as instalações da Siemens, onde discutiu a compra de uma usina com o proprietário da recém-criada firma. Encerradas as negociações, o empreendedor foi orientado a contratar os serviços de 2 engenheiros, Henrique Betex e Ettore Bertacin, da Casa Siemens de São Paulo, e retornou a Santa Rita com a missão de criar uma sociedade anônima que ficaria conhecida como “Companhia Força e Luz Minas Sul”. Após a aprovação do orçamento, o projeto ficou sob a Tutela de João Euzébio de Almeida, que se tornou o primeiro presidente da Companhia. Outro desafio seria encontrar um local próximo, dotado com as especificações corretas para sediar o empreendimento. Pelas características necessárias para gerar pressão, no momento de girar as turbinas, foi escolhida a cachoeira São Miguel, localizada no município de Natércia. Não havia na região nenhuma outra queda d’água com tamanho volume de água e altura (mais ou menos 80 metros). A transferência da escritura, entretanto, só seria lavrada em janeiro de 1913, um ano após o início das atividades.

Após o pagamento da primeira parcela, desembarcava na Estação Afonso Pena, o maquinário desmontado. Como a ponte de madeira sobre o Rio Sapucaí era ainda muito precária, foi necessário enviar um telegrama com pedido de autorização ao governador de Minas para que pudessem atravessá-la com toneladas de equipamentos.

O transporte, de Santa Rita a Natércia, demorou dois meses e foi necessário adaptar o trajeto. Pontes foram reconstruídas, estradas alargadas e terrenos alagadiços tiveram que ser aterrados. Para se ter uma ideia das intempéries enfrentadas durante a viagem, a avenida Delfim Moreira afundou, quando passou a primeira peça da turbina. O transporte de apenas um mancal levou 40 dias e foram necessárias 8 juntas de boi. Receoso de que algo poderia dar errado, Tonico questionava o responsável pelo transporte sobre a forma como estava sendo realizado e ouvia sempre a frase: “Eu sei o que estou fazendo.”

Quando as peças chegaram a Natércia, o equipamento foi construído com muitos erros e não funcionou, após a montagem. Por este motivo, o engenheiro responsável foi dispensado dos serviços e foram necessários muitos ajustes até que o sistema funcionasse e uma rede de fios levasse a energia a Santa Rita, seguindo pela estrada do Vintém. No último dia de 1912, a população promoveu uma grande festa em comemoração ao extraordinário feito.

Assim que entrou em atividade, a Minas Sul passou a fornecer energia elétrica para diversas cidades. O escritório central ficava localizado à Rua Cel. Antônio Moreira da Costa, mas cada cidade atendida pela companhia possuía uma unidade, onde ficavam os responsáveis pela assistência e administração. Sempre que ocorria um problema técnico, um grupo partia da usina e outro do local da falha para detectar o ponto onde a linha havia caído. Outro fato pitoresco envolvendo a manutenção da energia elétrica refere-se ao roubo de lâmpadas por crianças que jamais tinham visto algo parecido. Certa vez, Tonico flagrou um menino trepado num poste e, com espingarda apontada para ele, gritou: “Se descer, leva chumbo!” Foi preciso muita conversa para que o empreendedor deixasse o rapazinho descer.

Com a chegada da energia elétrica, Santa Rita passou por um grande impulso de desenvolvimento, quando indústrias e escolas passaram a serem criadas em função da nova facilidade. Em 1929, quando a cidade decidiu implementar um sistema de desmonte do Morro do Esguicho para aterrar os pântanos, Tonico voltaria para a Europa para negociar as máquinas e aproveitaria para adquirir uma segunda usina para expandir, ainda mais, a sua atuação. Em uma carta, enviada pelo empreendedor, do Hotel St. Raphael, em Paris, no dia 4 de novembro de 1929, ele falou sobre a compra do maquinário para a usina e também dos equipamentos para a obra do aterro:

“Caro filho, Joaquim. É com grande saudade que escrevo estas linhas. Nós vamos bem, graças a Deus. Hoje vamos para Marselha esperar o navio Flórida, o mesmo que nós viemos. Não comprei os fios que desejava por ser caro. Vou comprar em São Paulo. Nós fomos a Berlim e lá encontramos o engenheiro Lechthaler. Queria me vender o pequeno grupo e respondi que precisava ver o orçamento que demorava a remeter antes da minha partida.”

No dia 13 de outubro de 1935, a Minas Sul foi encampada pela Cia Sul Mineira de Eletricidade, com sede no Rio de Janeiro, e que passou a atender 39 cidades. Com a negociação, uma série de melhorias foram implementadas até que, dois anos depois, os velhos postes de madeira foram trocados, instalações particulares melhoradas e os fios adaptados às exigências do município.

Em 1976, a usina foi desativada e os maquinários, ferragens e canos vendidos como sucata. Barragem, comporta e ferragens são os únicos resquícios dos velhos tempos.

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