Por décadas, a Estação Rennó foi um grande escoadouro da produção, não somente da família que lhe emprestou o nome, como para diversos fazendeiros da região. Bem ao seu lado, um bairro construído na propriedade do Senhor José Ribeiro Portugal e sua esposa, Dona Cota, fornecia todos os recursos necessários aos moradores das redondezas e ainda traz recordações a quem viveu por ali.

Por volta de 1910, era intensa a vida na Fazenda Moreira. No local, havia uma fábrica de laticínios que, mais tarde, foi vendida à família Silvestrini e transferida para Pouso Alegre. Para a alfabetização infantil, uma escola foi construída e atraía colonos, filhos de fazendeiros e crianças da cachoeirinha. Para abastecimento dos moradores, um armazém fornecia grande variedade de artigos e utensílios domésticos. Como o pagamento dos empregados era feito no local, eles faziam suas anotações na caderneta e recebiam o ordenado, já com os referidos descontos. Wanda Portugal Rennó, moradora do local por nove anos, conta como foi a época em que trabalhou no estabelecimento: “O armazém era do tio Arthur Dias Pinto e eu trabalhei lá por algum tempo. No interior, havia um balcão, ladeado por uma grande quantidade de sacarias. Ao fundo, uma prateleira com garrafas e copos. Por vezes, fui encarregada de abater porcos e preparar a banha para conservar a carne dentro de latas. No local, havia também o único telefone do bairro, onde todos iam para realizar ou receber ligações.”

Ao lado do armazém, existia uma grande casa onde moravam os donos da propriedade. Ao lado, à sua direita, outra residência servia de moradia para Luiz Moreira Costa e Maria da Conceição Rennó.

Nos feriados e dias santos, uma grande quantidade de parentes desembarcava na estação, vindos de diversas cidades. Um deles, José Pinto, chegava de madrugada e, como o trem não parava nesse horário, ia jogando as malas pouco antes da estação e pulava do vagão em movimento. Outro visitante, Joaquim Ribeiro Portugal, filho dos proprietários, era o mais renomado neurologista do país e fora agraciado com o “Bisturi de Ouro”, na Alemanha, distinção feita somente aos maiores cirurgiões do mundo. Nos dias de festa, uma banda de música era comandada por Maestro Quinzinho, outro membro da família e que morava em São Bento do Sapucaí.

Para entreter a criançada, não faltavam atrações. De dia, as brincadeiras aconteciam nos terreiros de café, nos trilhos com vagões utilizados para transportar a produção, na cerâmica de telhas e tijolos ou na plantação de pinheiros, composta de cerca de 500 mil unidades. Ao anoitecer, o senhor Luiz Moreira abandonava a seriedade para colocar cabaças iluminadas com velas, simular fantasmas, contar histórias de lobisomem e até de assombração. “A gente ficava com tanto medo que, para sair da nossa casa e ir até a casa da vó Cota, fazia o trajeto em fila indiana, correndo a toda velocidade.” – lembra Wanda.

Entre uma brincadeira e outra, a criançada era convocada a pegar no batente. Umas das missões era ajudar Dona Ana, esposa de Juca Paca, administrador da Estação, a descascar amendoins. Como pagamento, ganhavam os deliciosos pés-de-moleque que deram origem aos mesmos doces que, anos depois, fariam a fama da vizinha Piranguinho.

As festas juninas do bairro atraíam, não somente os moradores da região, como também de Santa Rita. “Em uma dessas comemorações, minha mãe (Conceição Rennó) foi soltar rojões e um deles estourou em seu rosto. Grávida, o susto foi tamanho que minha irmã nasceu no outro dia.” – conta Wanda.

De tempos em tempos, um médico de confiança era escalado para realizar consultas aos colonos, aplicar vacinas, receitar vitaminas e oferecer tratamentos. O primeiro de que se tem notícia foi o Doutor Lisboa, sucedido pelos Doutores José Seabra e Edmundo Prado Moreira. Após as consultas, os moradores partiam em carros de boi, enfileirados pela estrada de chão.

Com a morte do senhor José Ribeiro Portugal e de sua esposa, as terras foram divididas e a Estação Rennó foi demolida. Atualmente, quem administra a propriedade que guarda alguns traços da disposição original é o Doutor Luiz Fernando Bitencourt.

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