Passagens da década de 80 que marcaram minha infância

A passagem de Fernando da Gata

Uma das primeiras recordações que tenho de Santa Rita do Sapucaí vem de 1982, quando o bandidão, Fernando da Gata, deixou um rastro de medo em Pouso Alegre e bandeou para nossa cidade, em busca de um cafofo. Os pais, apavorados, enchiam a cabeça da criançada de histórias sobre o terrível vilão vindo de São Paulo e trancavam as portas assim que o sol baixava.

Na curta estadia de Fernando Soares Pereira por aqui, ouvíamos histórias de que ele vivia escondido nas redondezas da Rua do Queima e que carregava os pertences em uma meia calça vermelha presa entre dois dentes e um pivô, para atravessar o rio a nado. De meus colegas de infância, ouvi que o rapaz era dono de um sapato com garras afiadas para caminhar entre as matas e que tinha os olhos vermelhos como brasa. Tudo invenção… Só mais tarde soube que “da Gata” foi um sujeito muito ágil e violento, que zombava da Polícia, fugia de emboscadas, matava, judiava das mulheres, era cínico, bobo, feio, e não tinha dó de ninguém. O fato é que bastou Fernando da Gata esticar as canelas para virar lenda. Ganhou samba-enredo, poesia, seriado na Globo e literatura de cordel. Em Russas, sua terra natal, seu corpo chegou em um ataúde de madeira e foi recebido com festa pela população que nunca tinha visto um conterrâneo aparecer nos jornais.

A passagem do Cometa Halley

Três anos após a passagem de Fernando da Gata por nossas bandas, foi a vez de um outro astro aparecer (ou desaparecer) por aqui. Tratava-se do polêmico Cometa Halley, que quase ninguém viu.

Antes daquela data, em 1910, o cometa havia causado pânico nos santa-ritenses, quando alastrou a notícia de que liberaria um gás letal, conhecido como cianogênio, que dizimaria a humanidade. Foi um corre-corre. Os mais antigos contam que muitas pessoas se esconderam debaixo da cama, fizeram panelaço para espantar “o bicho” e lotaram o confessionário, em busca de redenção.

Se, 76 anos antes, Halley foi apenas um grande susto, em 1986 não passou de uma pequena decepção. Com os dias nublados e uma dificuldade enorme de achar aquele pontinho minúsculo de calda reluzente, quase ninguém parou de assistir a novela Roque Santeiro para olhar para o céu. Quem lucrou com o episódio foi o comerciante Massaro, que vendia dúzias de “Lunetas do Cometa Halley”, produzidas com canudos de papelão estampados com o “tema da estação”.

No decorrer desse acontecimento pouco emocionante, assistimos pela televisão à destruição do ônibus espacial Challenger, que havia partido para a “Missão Halley Espacial” e explodiu, pouco depois da decolagem. No começo, pensamos que a fumaça era normal. Só depois nos contaram que a casa havia caído para os tripulantes. Mais uma vez, o homem não havia conseguido dominar a natureza e a humanidade ficou um bom tempo sem brincar de astronauta.

A vinda de Afif (Quem?)

Para não quebrar a tradição de sempre acontecer algo realmente impactante na cidade (a cada triênio), a década de 80 terminou com a primeira eleição direta no país, em 29 anos. Das 22 chapas que concorriam ao pleito, tivemos apenas a visita do candidato Afif. Quem? Eu também não sei direito quem ele era. Só me lembro que seu bordão era o mais legal da época: “Juntos, chegaremos lá!”, acompanha-do de uns sinais que queriam dizer a mesma coisa na lin-guagem de libras. Sua aparição deveria acontecer no terreno ao lado do campo de futebol, ao meio-dia, e uma grande massa de donas-de-casa e crianças compareceram para ver aquele político todo maquiado descer de helicóptero (outra raridade) para fazer seus famosos gestos, umas quinze vezes seguidas, e levantar voo novamente. Tudo aconteceu como previsto: Afif chegou com duas horas de atraso, gritou “Juntos chegaremos lá” umas 20 vezes e partiu para Santana do Brumadinho, onde repetiria o exaustivo show.
Outra lembrança da infame eleição em que colocamos Fernando Collor no poder, foi que Rinaldo Brandão realizou um baile no barracão dos Democráticos e utilizou como ingresso uma réplica da cédula eleitoral, contendo o nome de todos os candidatos, tirando o Sílvio Santos. Como ninguém estava interessado em responder questionário em noite de sábado, passei pelo barracão no outro dia e recolhi as cédulas em branco para realizar a minha própria pesquisa. Aos 11 anos, saímos eu e Fernando Cabeça, na tarde de segunda-feira, para saber qual seria o novo presidente. A urna era uma embalagem de Ortopé. Eu entregava as cédulas e o Cabeça transportava a caixa. Quando chegamos em casa, usamos a regra de três e esperamos o resultado. Não é que deu certo? Acertamos com mais precisão do que o Ibope (grande coisa) e os dados estão guardados até hoje, lá em casa, em uma gaveta qualquer.

(Carlos Romero Carneiro)

 

 

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