Passageiros da Avenida Sapucaí

O circular fazia o caminho de vai e volta entre a fita de asfalto que separa a nova da velha cidade, como acontece todos os dias, em Santa Rita do Sapucaí. Moradora do Bairro Pedro Sancho, como boa parte dos passageiros daquela tarde ensolarada de terça-feira, Expedita de Fátima de Jesus tinha passado pela “Chopperia Parada Obrigatória” para receber o pagamento. Para engrossar o orçamento, a senhorinha trabalha, de dia, na empresa Seek e, de noite, no estabelecimento localizado atrás da igreja. “Eu voltava com pressa. Como estava de folga, teria um tempinho para limpar a minha casa.” De licença-maternidade, Fabiana Lima, natural de Grão Mogol (Norte de Minas), é vizinha de Dona Dita e também adentrou o circular, no ponto ao lado da rodoviária, e sentou-se com seu filho de apenas 50 dias em um banco, logo atrás do motorista. Quando o veículo chegou ao ponto em frente aos Correios, José Fernandes da Cunha e Edna Souza, que voltavam do Supermercado, disputaram assento no coletivo que já estava apinhado de gente. “Havia umas 8 pessoas sem assento e dei lugar a uma gestante, na altura da rua da Pedra.” – lembra Expedita. A velocidade não era alta, o tráfego não estava atípico e sempre foi comum pessoas ficarem em pé. O ônibus subiu vagarosamente o alto do morro e deveria converter à direita, sentido avenida Sapucaí. O motorista parou para que a gestante e uma senhora de, aproximadamente, 50 anos descessem. O veículo fez a curva e deu início à descida, quando tudo aconteceu.

Duas ou três casas depois de dobrar a “rua da caixa d’água”, os passageiros escutaram o barulho de uma peça cair do veículo e a velocidade começou a aumentar. José, que permanecia em pé durante o trajeto, só se deu conta de que algo estava acontecendo, quando alguém pediu ao motorista que reduzisse a velocidade e ouviu ele dizer que o ônibus estava sem freio. A velocidade aumentava vertiginosamente e o ônibus pulava muito. O pânico tomou conta dos passageiros e a gritaria foi generalizada. “Na altura da Leucotron eu vi o motorista debruçado sobre o volante, tentando dirigir. Dizem que quebrou o pulso e fez isso para conseguir guiar. Eu gritava tanto que, três dias depois, ainda estava com a garganta doendo.” – lembra Expedita. Enquanto algumas pessoas oravam, outras gritavam e José Cunha tentava acalmá-las. Fabiana segurou em uma barra de ferro e envolveu o filho recém-nascido, próximo ao seu corpo. “Não escutei o motorista dizer nada porque a gritaria era muito grande” – lembra a moça de trinta e dois anos. Religiosa, Edna fechou os olhos e começou a orar. Alguns dizem que a travessia até o cruzamento demorou cinco minutos e outros dizem que foram quinze. Para os passageiros, entretanto, percorrer os cerca de 900 metros da avenida que leva o nome do rio que banha a cidade durou uma eternidade.

“Só escutei alguém gritar ‘Olha a moto!’ e, num piscar de olhos, estávamos no muro. A intenção do motorista talvez fosse atravessar a avenida e seguir pela rua no sentido oposto até que o veículo parasse. A velocidade, entretanto, era tão alta que o ônibus não fez a curva e chocou-se violentamente contra o muro de uma residência localizada na esquina. Os passageiros ouviram uma grande explosão e foram bombardeados com estilhaços de cacos de vidro, tijolos e uma nuvem de poeira que tomou o ambiente. Diversas pessoas caíram. Outras, foram atiradas contra os bancos. “Uma senhora caiu por cima de mim e quebrei três costelas.” – recorda José. O mesmo aconteceu com Expedita, que também teve uma costela trincada. A velocidade e o peso eram tão grandes que o veículo continuou o trajeto por dentro do quintal da residência, destruiu a face seguinte do muro e só não derrubou a parede de uma fábrica do outro lado da rua porque foi parado por um poste, à beira da calçada. “Alguém se machucou?” – gritou o motorista com um profundo corte no rosto, sangrando muito e preso entre as ferragens. “Meu bebê estava com o rosto coberto com terra e com os cabelos cheios de cacos de vidro. Eu saí do ônibus e deitei no gramado. Ao meu lado, muitas pessoas sangravam.” – lembra Fabiana. José estava deitado no chão e gritava muito de dor. “Pensei que tivesse perfurado algo.” Aos poucos, as pessoas começaram a chegar e ampararam as vítimas. Cerca de trinta pessoas foram atendidas no local e, posteriormente, encaminhadas aos hospitais. O estudante, Rafael Vilela, atropelado pelo ônibus desgovernado, não suportou os ferimentos e faleceu no local. “Eu preferi não ir para o pronto-atendimento naquela hora. De noite, comecei a vomitar sangue e fui fazer uma consulta. O médico examinou, disse que não era grave e fui liberada. Precisei passar pente fino nos cabelos para retirar os cacos de vidro.” – lembra Expedita.

“O motorista foi um grande herói. Se não fosse ele, não sei o que seria de nós.” – disseram os passageiros entrevistados. Ao ser retirado das ferragens pelos bombeiros, Paulo Pires recebeu os primeiros socorros, ainda no local. Enquanto isso, ambulâncias trafegavam rapidamente toda a extensão da avenida Frederico de Paula Cunha, em direção ao hospital, que ficou lotado de parentes e amigos das vítimas. A comoção nas redes sociais foi intensa. Pessoas enviavam mensagens de incentivo, davam palpites e oravam pelos acidentados. Alguns santa-ritenses comparavam o acidente ao dia em que a ponte metálica desabou no Rio Sapucaí, deixando dezenas de vítimas, cinco delas fatais. Assim como aquele 27 de setembro de 1981, o dia 6 de maio de 2014 também traria uma lembrança dramática aos santa-ritenses e, ao que parece, jamais será esquecido.

(Carlos Romero Carneiro)

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