Entre os anos de 1960 e 1970, a Escola Técnica de Eletrônica “Francisco Moreira da Costa” viveu um de seus períodos mais marcantes — não apenas pelo desenvolvimento técnico e acadêmico, mas por uma cultura institucional forjada em laços humanos e espírito comunitário.
A obra
Os primeiros tijolos da ETE foram fabricados numa cerâmica do bairro Rennó. A brita e o pó de pedra eram retirados da pedreira próxima à entrada de Santa Rita. A madeira era comprada no Paraná. Outros materiais saíam de Belo Horizonte, Mogi Guaçu e Sorocaba. Móveis e portas nasciam das mãos do incansável marceneiro Aristeu José Pereira (Teteu).
Pouco a pouco, as paredes davam forma à nova escola no antigo brejo. Antes de ser aterrado, o espaço era conhecido como “Lagoa do Bicho” – os pais recomendavam aos filhos que guardassem distância do local, alegando que ali vivia um misterioso e assustador “minhocão”. A construção do prédio soterrou a lenda para que os jovens tivessem sonhos melhores.
O apoio de Sinhá Moreira não se limitou a recursos financeiros. A fundadora acompanhava o dia-a-dia da escola e o desempenho dos alunos. Em 1962, alugou um ônibus e levou os estudantes até a unidade da multinacional norte-americana IBM, na capital paulista. No ano anterior, havia promovido uma visita dos futuros técnicos à Universidade de São Paulo (USP). O intento das viagens era apresentar a ETE e seus alunos às empresas e instituições de ensino.
Em sinal de gratidão, a primeira turma convidou Dona Sinhá para ser sua paraninfa. Para surpresa de todos, o pedido foi imediatamente recusado. A criadora da ETE queria transformar a formatura num acontecimento nacional. Para tanto, recomendou aos jovens que o convite fosse feito a Clóvis Salgado, Ministro da Educação no governo JK. Ela e os sete formandos foram de Kombi até a casa do político, onde ouviram a resposta positiva. Em seguida, a comitiva visitou o ex-presidente Juscelino, que citou a ETE como uma realização de sua gestão. Sinhá replicou: “Essa foi uma obra nossa”.
A ausência da pessoa mais aguardada deixou a cerimônia incompleta. A fundadora da escola, que lutava contra um câncer, não pôde comparecer à colação de grau. Mesmo distante, acamada no Rio de Janeiro, Sinhá sabia que a sua semente começava a germinar.
Nativos e forasteiros
Giuseppe Settimi Cysneiros de Oliveira matriculou-se na ETE no início de 1961. José Antônio Justino Ribeiro transferiu-se para Santa Rita dois anos depois. Quando ambos ingressaram no curso técnico de eletrônica, os alunos santa-ritenses ainda eram minoria. A presença cada vez maior de estudantes de outras cidades incomodava os “nativos”. “Naturalmente aconteceram, sobretudo no começo, choques com os rapazes da terra. Era natural, pois os galinhos novos estavam invadindo um terreiro que antes era só deles. Deu muita briga”, reconhece padre Vaz.
s alunos de fora faziam sucesso entre as moças de Santa Rita. As famílias conservadoras, porém, torciam o nariz para os hábitos dos “forasteiros”, que caminhavam pelas ruas de bermuda, camiseta regata e sandálias de borracha. Muitos galanteios resultaram em relacionamentos sérios. Dona Maria Hespanha del Castillo, que dirigia uma pensão para estudantes, patrocinou mais de 100 casamentos.
Em 10 de fevereiro de 1963, um novo capítulo começou a ser escrito na história da ETE FMC, quando o então recém-nomeado diretor, o padre José Carlos de Lima Vaz, chegou à cidade para assumir a direção. Sua vinda não apenas marcou o fortalecimento institucional da escola, mas também ajudou a moldar o espírito comunitário e inovador do município.
A chegada de Vaz à direção da escola ocorreu em um momento crucial para a consolidação da ETE, que já se destacava pela proposta pioneira de formar técnicos em eletrônica num Brasil que ainda engatinhava na industrialização tecnológica. A parceria entre a visão educacional, o espírito missionário e a articulação da sociedade local se mostrou um diferencial. Santa Rita do Sapucaí começava a ser conhecida não apenas por seu clima ameno e hospitalidade, mas também por sua ousadia educacional.
A instituição, naqueles tempos, funcionava com muita austeridade e simplicidade. Havia poucos funcionários, especialmente na equipe feminina, composta por apenas quatro senhoras responsáveis pela limpeza e manutenção, todas muito dedicadas e competentes. Curiosamente, o piso da escola — feito de cacos de cerâmica — tem uma história especial: Padre Vaz comprou uma grande quantidade desses cacos de uma empresa falida em Itapira, que estava liquidando o seu estoque. Para economizar, o piso foi instalado em mutirão pelos próprios funcionários. As mulheres, por sua vez, preparavam café para eles durante a noite, fortalecendo um ambiente de camaradagem e cooperação. Esse sistema gerou uma relação muito próxima entre a escola e seus funcionários, quase como uma grande família. Muitos tiveram seus filhos estudando ali, alguns chegaram a construir carreiras internacionais, com destaque para técnicos que foram até os Estados Unidos.
Se os colaboradores ajudaram na construção da escola, também se reuniram para produzir as suas próprias casas. Em entrevista, Dom Vaz relembra o modelo de mutirão que permitiu aos funcionários realizarem o sonho da casa própria. “Eles construíram suas casas, mas pagaram por isso. Nada foi de graça. Pagaram com hora extra, com material e muito trabalho. Saíram daqui com casas dignas, taqueadas, com banheiro direitinho, sem gastar um centavo do salário.” Essa experiência solidária exemplifica a maneira como a escola operava como uma verdadeira família, valorizando o esforço coletivo.
O padre Javier Alonso Gil integrou o primeiro corpo docente e foi, por alguns anos, o principal professor da área técnica. Com a sua saída, em 1965, suas disciplinas foram assumidas por quatro ex-alunos: José Antônio Justino Ribeiro, Mário Augusto de Souza Nunes, Eduardo Augusto Pellegrinelli e João Batista de Carvalho Filho. Alonso ocupava o cargo de orientador técnico da escola e teve como sucessor outro ex-aluno, Adonias Costa da Silveira.
Motoyasu Furusawa ingressou na Companhia de Jesus em 1940, foi ordenado dez anos depois e começou a trabalhar na ETE em 1963. Quando chegou a Santa Rita, foi morar na Casa Paroquial, pois a residência dos jesuítas ainda não havia sido construída.
Espanhol de Puebla de Trives, padre Jaime desembarcou em Santa Rita pela primeira vez em 1965. Sua missão era lecionar física atômica no lugar do padre Vaz, já que o então diretor não estava conseguindo conciliar as aulas com as longas viagens em busca de recursos. A primeira passagem de Jaime pela ETE durou apenas um semestre e o seu retorno aconteceu em 1967. Foi mais ou menos nessa época que o governo alemão pagou uma dívida ao Brasil em forma de materiais de laboratório. Os instrumentos seriam enviados apenas a escolas técnicas federais, mas o prestígio da ETE a incluiu no rol de beneficiários. Padre Jaime viajou a São Paulo como representante da ETE e recebeu orientações de técnicos alemães. Ao regressar, instalou os laboratórios de química e física.
Por volta de 1964/65, um episódio marcante mobilizou a comunidade estudantil. Após a recusa da entrada de membros do Grêmio Estudantil num baile realizado no clube local, lideranças estudantis convocaram uma greve. As alunas da Escola Normal também aderiram à paralisação, que consistia em um boicote na praça em frente ao clube, onde os jovens permaneciam na porta impedindo o acesso dos demais. A pressão foi efetiva, obrigando os organizadores a abrir o baile para todos.
Nos anos 60, a escola tornou-se palco de animados festivais de música, que valorizavam os talentos brasileiros. Dom Vaz recorda que, embora o público fosse caloroso, o respeito era uma regra sagrada: vaias aos cantores novatos eram proibidas.
Naquela mesma época, uma manifestação inusitada envolveu uma “greve” no cinema local. O bilheteiro do cinema, Seu Teteu, era também marceneiro e funcionário antigo da escola. Os alunos, numa brincadeira, criavam filas falsas, alegando ter esquecido dinheiro, causando tumulto. A situação escalou até a intervenção do gerente do cinema e da polícia, que apreendeu cartazes e levou os alunos à delegacia. Dom Vaz, que estava na igreja naquele momento, foi ao local para defender os estudantes diante do delegado, argumentando que os cartazes com frases como “Pulgas, go home”, não configuravam subversão, mas apenas travessuras de jovens.
Na escola, a disciplina e a exigência acadêmica eram fortes. Os alunos, majoritariamente rapazes naquela época, enfrentavam uma carga pesada de estudos. Em disciplinas como Física do Átomo e Física do Estado Sólido, já eram cobradas equações diferenciais, cálculo diferencial e integral, entre outros conteúdos avançados. A metodologia visava formar técnicos criativos e autônomos, capazes de pensar além da teoria e se adaptar a ambientes práticos e muitas vezes adversos, como a realidade do interior do Brasil. O próprio Dom Vaz conta a história de um aluno que, em uma prova, escreveu um protesto contra o rigor do curso, acusando o professor de ser “carrasco, sádico e ditador” por exigir teoria. Anos depois, o mesmo rapaz percebeu o erro, buscando uma cópia da apostila para aprofundar os seus estudos sobre laser, demonstrando a eficácia e importância do ensino oferecido naquela época.
Em 1968, um fato lamentável colocou nativos e forasteiros do mesmo lado. Um estudante negro havia sido impedido de participar de uma formatura realizada no clube, o que provocou uma grande reação na cidade.
Apesar dos protestos e rebeldias, o respeito era a pedra fundamental da convivência na Escola Técnica. Dom Vaz destaca o cuidado dos alunos com as instalações e a preocupação da direção em criar um ambiente rigoroso e acolhedor. Essa cultura de respeito e disciplina foi crucial para o desenvolvimento dos estudantes, muitos dos quais saíram para trabalhar em regiões remotas do país, enfrentando desafios que exigiam criatividade e autonomia.
Entre 1969 e 1970, um intercâmbio comercial entre o Brasil e países europeus representou um enorme benefício para a ETE. Caminhões do Exército levaram a Santa Rita do Sapucaí aparelhos importados da Alemanha, União Soviética, Polônia e Tchecoslováquia. Outra doação partiu da organização católica alemã Misereor, que promove ações em países em desenvolvimento. A ETE recebeu da instituição religiosa grande número de equipamentos fabricados por Siemens, Rohde & Schwarz, PEK e outras empresas. Instituições brasileiras também colaboraram. O grupo de doadores inclui Furnas Centrais Elétricas, INPE e Eletrobrás. As Organizações Globo e a Standard Electrica também enriqueceram a aparelhagem da ETE.
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