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O talento transformador de Carlos Henrique Vilela

Você tem participado de vários projetos culturais. Qual é a sua motivação?

Tem muita gente envolvida nestes projetos e as motivações têm sempre alguma ligação autêntica com melhorar a cidade. Por isso as coisas acontecem. Santa Rita está virando uma das cidades mais legais que existem. Não é porque estamos no interior que precisa ser quadrada, chata ou retrógrada. A verdade é que não começamos este trabalho do zero. A cidade já tem um grande potencial e isso vem sendo trabalhado há muito tempo. A prova é que várias pessoas respeitadas no mundo inteiro vêm conhecer Santa Rita e ficam loucas com o que descobrem. É uma cidade cheia de opções, tem muito o que fazer por aqui, a cena cultural é muito forte. Eu não consigo pensar de maneira negativa porque vejo uma cena muito intensa.

Qual é o diferencial de Santa Rita?

Você tem tempo para fazer as coisas. A sensação é de que nos tornamos mais produtivos do que se estivéssemos em um grande centro. Quando morei em BH, saía às sete horas de casa por causa do trânsito, voltava dez da noite e ia dormir. Nos finais de semana, estava destruído e só queria descansar. Em Santa Rita, eu tenho a sensação de que aproveito o meu tempo de uma maneira diferente.

Em grandes cidades, existe uma galera que desenvolve projetos bacanas, mas são sempre vistos como iniciativas isoladas e, não, como um evento de uma “cidade”, como acontece por aqui. Para quem vê de fora, um evento como o “Vale Music” ou o “Bloco do Urso” é de Santa Rita. Não importa se foi a Izabelle quem organizou o “Festival Gastronômico”, se foi você quem organizou o “Santa Roots” ou se o Inatel organizou o TEDx. Quem leva o crédito é sempre a cidade, como um todo.

E os nossos talentos?

Eu sou mais ligado à música e percebo uma cena muito promissora neste sentido. Santa Rita é uma cidade com muitas bandas legais. O nível é alto e a vontade do pessoal é muito grande. Também sou muito ligado em inovação e tecnologia e tem dias em que eu vou ao Inatel só para bater papo com o pessoal da incubadora, com o Alberti e outros com projetos incríveis… tem muita gente de talento na cidade. Muita coisa rolando por aqui.
Porque não vemos tanto isso em outras cidades?

Eu tenho um amigo que saiu de uma cidade com 80 mil habitantes, no norte de Minas, e disse que lá não há nada para se fazer. O único evento é um leilão de gado. Em Santa Rita, percebo que a dinâmica é bem diferente. Isso começou lá atrás, com a fundação das escolas e com a criação do Vale da Eletrônica. O fato de já termos exemplos bem sucedidos torna as coisas muito mais fáceis, independentemente da área.

E a corrente pessimista que sempre vemos por aí?

Isso existe em qualquer lugar, cara! Vivemos em uma comunidade eclética. Se você pegar um grupo de dez pessoas para analisar, sempre vai encontrar alguém descontente com alguma coisa e feliz com outras. A vida é assim.

Como surgiu a ideia de desenvolver projetos culturais?

Quando vim para cá, já queria fazer alguma coisa em paralelo ao meu trabalho, mas ainda não havia nada de concreto nesse sentido. Caí de paraquedas em uma reunião sobre o Cidade Criativa, acabei me envolvendo no projeto e, no mesmo dia, me conectei também com o pessoal que estava organizando o TEDxInatel (evento global de palestras). Me ofereci para conectá-los com um cara que tinha realizado o primeiro TEDx de BH. Foi muito útil e, dali em diante, me pediram para indicar alguns palestrantes. Foi tudo acontecendo de forma bem orgânica.

Como você enveredou nos projetos musicais?

Isso aconteceu quando o Ganso comentou que tinha vontade de produzir algo voltado para a música e eu sugeri um formato parecido com o que vi nos Estados Unidos. Lá, como os restaurantes são muito caros, é bem comum as pessoas realizarem eventos nas ruas. Eu tinha participado de um evento chamado SxSW, em Austin (Texas) e me inspirei para realizar outras coisas por aqui. Quando o Vale Music foi bem aceito, nós ganhamos confiança e ele cresceu muito nas edições seguintes.

Isso inspirou os eventos de música autoral?

Nós já tínhamos percebido que a cena independente estava crescendo por aqui e queríamos ter ações que acontecessem o tempo inteiro na cidade. Quando íamos a churrascos dos amigos, víamos que muitos músicos tinham conteúdos próprios, mas faltava confiança para tornarem públicas suas composições. Começamos, então, a promover pequenas apresentações na praça, com músicos diversos. O bacana era que eles recebiam contribuições do público, muitas vezes maiores do que o cachê que ganhavam nos bares. Durante o Rock de Rua, tive a oportunidade de conhecer o australiano Luke Kiernan, que vive aqui, e que fortaleceu a ideia de se produzir repertório próprio. Lá fora, é motivo de vergonha tocar cover. Eles têm a ideia de que tocar música dos outros é plágio e procuram executar os próprios conteúdos. Daí que nasceu o Open Music, com mais de vinte bandas. O Luke também evoluiu a ideia. Criou um selo chamado “Burn the Lizard”, só com bandas da região.

“Burn the Lizard”? De onde vem esse nome?

Quer dizer “Queimar a lagarta”. Surgiu na véspera do “Vale Music”. A gente estava bebendo na Aninha e ele ouviu alguém dizer que não queria “Queimar a largada”… beber demais. Como é gringo, entendeu errado e aquilo virou motivo de brincadeira. O nome veio dali.

O Cidade Criativa uniu diversos grupos?

Com o Cidade Criativa, que nasceu de uma crença admirável do Prof. Wander, começamos a mapear quem produzia e nos conectamos em novas ações. Já estive, por exemplo, em reunião em que, numa ponta, estava o Marcelo Marques, que é um cara de tecnologia e, na outra, o Ganso, que é músico. Isso aconteceu porque muita gente criativa se sentiu empoderada e está disposta a trabalhar pela cidade. Neste contexto, eu e você saímos para estudar publicidade, o Janilton e o Andrew saíram para estudar teatro, o Ganso fez conservatório, chegaram a Emanuele, a Carol, o Beavis, o Alberti, o João Rubens, Marcos David, o Dudu… também tinha gente boa aqui, que se conectou com os novos. É uma galera de diversas áreas, acostumada a trabalhar em alto nível. Este pessoal vem se conectando e fazendo acontecer.

Que frentes podem despontar por conta das singularidades de Santa Rita?

No HackTown (evento com mais de 70 atividades em um só dia, realizadas nos bares e restaurantes da cidade), em que a maior parte do público era de São Paulo, eles piraram em Santa Rita. Neste dia, eu conversei com um cara que mora em Nova York e aproveitou as férias pra dar um pulo no evento e ele disse que adorou a rua em que aconteceu o HackTown (Antônio Moreira da Costa) por conta dos casarões; disse que comeu tapioca com guacamole no Neco Tex Mex; ficou louco com o grafite que fizeram no Parada Obrigatória e contou que a sua palestra preferida foi sobre o café. Ele disse que saiu de um mundo e caiu em outro. A conversa que tivemos despertou o seu interesse pela evolução do café em nossa cidade. Está surgindo aqui um movimento de baristas e novos cafés que pode resultar em pessoas saindo de outros lugares e vindo experimentar os nossos produtos.

E a gastronomia?

Se, há alguns anos, disséssemos que a nossa gastronomia estaria no nível em que está hoje, as pessoas dariam risada. Grande parte do mérito está no pessoal do “Sabores do Vale” que mostrou capacidade e encontrou demanda. Vimos, desde então, uma quantidade muito grande de restaurantes surgirem com propostas diferenciadas e o pessoal começou a ficar mais ousado. Eu tenho conhecimento de gente que sai de Pouso Alegre e vem comer aqui, da mesma forma que nós vamos para lá. Se você parar e pensar, já tínhamos uma tradição em culinária. O pão cheio, o pastel de milho, o livro de receitas dos Vicentinos… tudo isso dava pistas de que o segmento era promissor.

Qual é o segredo deste entendimento todo?

As pessoas têm uma convergência que é o desenvolvimento criativo da cidade. Não importa a área de atuação. Todos estão dispostos a promover Santa Rita e esta é a nossa grande motivação. Se não houvesse um denominador comum, as pessoas não se entenderiam. Basta manter o foco que a coisa flui.

Já pensou em política?

Eu não tenho disciplina e nem vontade para isso. Não é a minha praia.

takefive

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