Colunistas

O povo de Pedralva

(Por Cyro de Luna Dias)

Em Pedralva, viveu um homem chamado Antônio Machado de Abreu, que era dono de muitas terras no Alecrim, Castelhano e Estiva, bairros onde a fertilidade do solo clama por sementes, que devolvem cem por uma. Entre muitos produtos da sua lavoura havia um engenho de cana, com produção de cachaça famosa na região. Certa vez, aproximando-se as festas de São Sebastião, padroeiro da cidade, o comerciante Abel Bustamante foi comprar cinquenta caixas de pinga – mais de mil garrafas. A coletoria local não tinha selos e o produtor não quis vender. Ora, festa de São Sebastião sem cachaça era fracasso na certa e vergonha para a cidade perante os visitantes dos lugares vizinhos que vinham festejar o santo, agradecer alguma graça, ou simplesmente molhar a goela com a melhor cachaça da região. Após essas e outras ponderações e por receio de ofender o padroeiro, o dono do engenho entregou a mercadoria. Passadas as festas, chegaram os selos na Recebedoria Pública; Antônio Machado entrou na loja do Abel, colou a selaria nas garrafas que sobraram da festa e inutilizou rasgando todos os selos correspondentes às garrafas que foram vendidas. Esse fato que ouvi em Pedralva – e que consta de uma crônica de sua descendente, D. Nilza de Abreu Paiva, no jornal “O Centenário” – demonstra o caráter dos cidadãos pedralvenses em geral. Lei era para ser cumprida e ninguém pensava em burlar o próximo ou o Estado que, no fim das contas, somos nós mesmos e o próximo.

Pedralva assenta-se na montanha entre duas imensas balizas: o rochedo do Pedrão e o maciço da Pedra Branca, cada qual acima de mil e quinhentos metros de altura. Como Assis, vista da encosta do Monte Subásio, com menos torres mas tanta santidade, como o torrão natal de São Francisco, na Itália. Ali, fui juiz de Direito durante quase sete anos e minha esposa professora primária no Grupo Escolar Cel. Gaspar; anos felizes pois, de todas as cidades que conheci, muitas aceitam bem os estranhos, mas nenhuma recebe os forasteiros com a ternura de Pedralva. Como nos tempos bíblicos, em que se oferecia ao Senhor o primeiro filho, eu deixei meu primogênito na Pedra Branca, com uma nora descendente dos pioneiros do lugar que me trouxe tanta alegria.

O admirável ali é o amor que o povo dedica às tradições: intacta, como há duzentos anos, a fazenda Água Limpa é conservada com aquele carinho que só os gregos têm com restos de colunas, capitéis jônicos e lugares onde Palas foi cultuada há quatro milênios. Esses laços com o passado, que tornaram a Grécia grande entre os povos, e livre, embora cercada de nações escravizadas, nos trazem a esperança de que nem tudo está perdido neste terceiro mundo brasileiro, e há regiões onde a palavra progresso não significa destruição e desprezo pelo passado.

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