Sentado na varanda da cozinha, na Chácara do Ipê, caneca de café preto na mão e bolinhos de chuva no prato, eu contemplava o entardecer. Um vento quente empurrava o dia para trás dos montes, colorindo de dourado e vermelho as nuvens da tarde. Observando o céu, procurava distinguir as formas de animais que as nuvens iam criando. À direita, um leão alado que se transformava num cisne de asas abertas e pescoço longo; mais além, um coelho orelhudo que saltitava, fugindo de uma cobra. Coisa de doido, você dirá para mim. E eu respondo que são olhares do coração, em conversa com a alma. Um dia, eu fui poeta. Fiz versos sobre a lua e a saudade.
Na força de adolescente, rimei amor com dor, desejo com beijo, coisas bobas, ridículas como são as coisas de amor, já dizia Fernando Pessoa. Todo adolescente apaixonado é ridículo, faz coisas bobas, tem o coração maior do que o corpo. Quando adolescente, fiz até uma musiquinha, espécie de samba, lá no IMEE, junto do colega Joaquim João de Abreu: “ Se eu pudesse, se eu pudesse, lá no alto construir, uma casa pequenina de sapé e taquari…”
Construí sonhos com roteiros feitos pelos meus desejos e, quando eles tentavam escapulir por caminhos não aceitos, eu os apagava e recomeçava uma nova construção. Cantei serenatas, até que um dia quebramos o cavaquinho na calçada da casa de minha amada. O cavaquinho era do Leopoldo, e era ele quem o executava. Eu o acompanhava e cantava baixinho, por ser desafinado. Leopoldo era o cozinheiro do Hotel Santarritense e era ali que eu morava. Ele era bom músico, mas gostava de uma pinguinha igual gambá e eu aproveitava dessa fraqueza para fazer com que ele tocasse as músicas que eu queria, em troca de uma cachacinha. Eu planejei fazer uma serenata para a mulher que tinha domado o meu coração de estudante e ele me acompanhou nessa aventura, depois de muitas promessas. Eu queria que fosse um momento mágico, cheio de encantamento. Preparei a minha melhor roupa, engraxei o velho sapato até ficar brilhante, roubei uma rosa no jardim da vizinha e tomei um trago para criar coragem. Com medo de que ela notasse o bafo da bebida, pus na boca uma bala de menta e ela me deu sede e tomei outro trago, agora de uma bebida diferente. Subimos a rua da ponte, passamos pela praça deserta e descemos pela rua do ginásio. Lá estava a casa alvo, dormindo o sono tranquilo dos honestos.
Embaixo da janela, encostado num caminhão estacionado, o cavaquinho vibrou sua cordas e o meu coração pulou para a garganta. Tentei as primeiras estrofes. Elas saíram trêmulas e desafinadas mas, aos poucos, fui criando coragem e soltando a voz e imitando Orlando Silva, o cantor que ela gostava, e cantei… “Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa…” Uma luz se acendeu no quarto e, com ela, acendeu a esperança em meu coração. A janela começou a se abrir e eu agarrei a flor para oferecer à minha amada. A janela abriu-se totalmente e apareceu a figura do irmão da moça. O susto foi enorme, ficamos em pânico e nos atropelamos na fuga. O cavaquinho foi ao chão e se espatifou por completo.
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