O domingo mais trágico da história de Santa Rita

No dia 27 de setembro de 1981, Jefferson Gonçalves Mendes aproveitou a tarde de domingo para consertar uma das máquinas da pedreira que mantinha na entrada da cidade. A ideia era deixar tudo pronto para que, na segunda, seu empreendimento pudesse funcionar normalmente. Depois do almoço, a falta de uma das ferramentas obrigou o, então, vereador a retornar ao centro da cidade e procurar Benedito Caputo para pedi-la emprestado. No caminho, em cima da velha ponte metálica, o rapaz percebeu que haveria umas das cerimônias mais tradicionais daquela época. Como em todos os anos, uma pequena multidão se aglomerava para ver os membros da Igreja Assembleia de Deus se posicionarem às margens do rio Sapucaí para um tradicional batizado, após terem atravessado a cidade em trajes brancos. Jeffinho nunca perdia aquela cerimônia, mas, naquele ano, tinha um assunto sério a resolver.

Na volta para a pedreira, o futuro prefeito notou que havia entre 400 e 500 pessoas em torno do evento. Um grande número de fiéis e curiosos ocupavam a prainha do rio, toda a extensão da ponte interditada e um terreno debaixo da estrutura metálica. Apressado, Jeffinho cumprimentou os amigos e partiu. Ao chegar à Praça Delfim Moreira um de seus amigos perguntou se ele havia visto o Abílio. Ele, então, se ofereceu para chamá-lo e voltou à ponte onde o encontrou conversando com outro amigo: Vitinho Jorge. Abílio partiu em direção à praça e Jeffinho ficou conversando com Vitinho. O rapaz ainda se lembra das pessoas que o cercavam sobre a estrutura metálica, enquanto o amigo tentava convencê-lo a deixar o trabalho e sair com ele para jogar baralho. Uma moça distribuía folhetos, senhor Joaquim (da Casa de Couros) passeava com sua bicicleta e um grande número de pessoas batia papo ou assistia ao esperado acontecimento.

Jeffinho conta que o barulho de metal partindo não sai de sua cabeça. “Não houve tempo para nada. Foi só o gemido da ponte e, no mesmo instante, estava todo mundo na água”. A última imagem que viu foi o sorriso de Vitinho enquanto tentava levá-lo para a diversão. Rita de Cássia, esposa de Jeffinho, estava em casa (o tradicional prédio da Maklouf, às margens do rio) quando escutou um gemido seco e se lembrou imediatamente do marido. Mal sabia que, naquele momento, o rapaz estava debaixo d´água, com o tornozelo preso nas ferragens, tentando se desvencilhar. “Fiquei com a canela em carne viva”, conta.

Ao retornar à superfície, Jeffinho percebeu que dezenas de pessoas tinham caído no rio. Apesar do nível estar baixo, muitos eram levados pela correnteza. Outros levantavam com a água na altura do peito e tentavam chegar à margem. Naquele momento, era impossível mensurar o acontecido, em meio a tantos gritos e uma multidão de feridos. Jeffinho parecia não acreditar no que via, quando sons de tiros chamaram a atenção. Dois ou três policiais tentavam cortar as correntes que prendiam as canoas para dar início ao salvamento.
Até o anoitecer, apesar do hospital estar repleto de feridos, não havia notícia de mortes. O pânico tomava conta de pais e mães, quando os filhos demoravam a chegar em casa, acreditando que eles poderiam estar entre as vítimas. Até o dia seguinte, muito familiares iriam ao hospital em busca de notícias.

Jeffinho conta que, naquela noite, esteve por volta de 10 horas na casa de Vitinho Jorge. Lá, recebeu a notícia de que o amigo não havia retornado e que seu caminhão estava pronto para uma viagem que aconteceria na manhã seguinte. O rapaz, então, contou que o amigo estava presente na tragédia e todos pensaram no pior.

Na segunda feira, a população ficou estarrecida quando um guindaste levantou a velha estrutura do rio. Junto dos escombros, diversos corpos começaram a ser encontrados. Dentre os mortos, Jeffinho sentiu muita dor ao ver Vitinho ser retirado com uma moça de Itajubá, que distribuía folhetos, agarrada à sua cintura. Naquela semana, os trabalhos de salvamento seriam intensos e a tragédia comoveria o país.

Ao todo, foram cinco vítimas fatais. Depois daquele domingo, jamais aconteceria um novo batismo da Assembleia de Deus naquele local. Ainda hoje, inúmeros santa-ritenses sofrem as consequências da queda. Muito emocionado, Jeffinho diz que, quando passa sobre a ponte nova, ainda se recorda das pessoas que estavam por ali, no momento em que tudo aconteceu, e não consegue esquecer o som estridente da estrutura metálica, instantes antes de sua queda.

(Carlos Romero Carneiro)

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