Nosso repórter viajou novamente no tempo e encontrou algo extraordinário

No retorno da viagem a 2036, assunto de nossa última edição, nosso correspondente produziu uma reportagem recebida com entusiasmo por muitos leitores e ceticismo por outros.

Com a sensação do dever cumprido, o repórter estava prestes a dar início a uma matéria sobre o Beco do Saci, quando deu falta de sua mochila, com câmera fotográfica e outros pertences. Por um momento, pensou na possibilidade de deixar como estava, mas havia algo entre as tralhas que não deveria ter ficado duas décadas à frente. Esqueceu um álbum de fotografias raras da Rua do Queima, emprestado por um assinante genioso, e não teria alternativa senão empreender retorno para reavê-lo.

Nosso correspondente reformulou as coordenadas e definiu o destino de sua próxima viagem: o cemitério de Santa Rita, em maio de 2036. Como era praxe, escolheu a mansão dos mortos como destino por ter a certeza de que seria um local intocado pelo tempo. “Nada muda em um cemitério depois de duas décadas.” Além disso, lembrava-se de que viu a mochila, pela última vez, no mausoléu da família Moreira e decidiu retornar, minutos depois, para que ninguém a encontrasse.

A viagem pareceu instantânea, mas notou que algo havia mudado. A melhor vista da cidade revelava, logo de cara, que os edifícios que vira espalhados por todos os bairros em 2036 desapareceram por completo. Estava muito estranho. Parecia ter retornado ao invés de avançar. Teria errado as coordenadas? A data no mostrador dizia o contrário. Deveria ter permanecido onde estava já que, por descuido, colocara como destino 21 de maio de 2016, mesma data em que partira. A realidade, no entanto, era bem diversa. Algo havia se transformado e não entendia a razão.

Determinado a descobrir em que época se encontrava, nosso correspondente escondeu a máquina do tempo no mausoléu dos Moreira e desceu a colina em direção à cidade.
Antes de chegar aos portões, deu falta do ossário que deveria estar construído na entrada. O mesmo aconteceu com a Escola de Eletrônica, substituída por um terreno descampado e uma lagoa que desaguava no rio. “O que está acontecendo?” – perguntou a si mesmo. Partiria em busca de respostas.

Nosso correspondente seguiu pela Avenida Sinhá Moreira, mas notou que ela perdera conexão com a sede do clube. Uma picada sem calçamento terminava no quintal de duas casas velhas que obstruíam a passagem. Em frente à rodoviária e ao velho mercado, barracas da festa espalhavam-se pela Alameda José Cleto e se amontoavam na Antônio Paulino.

Quando o repórter alcançou a Matriz, outra surpresa. A cidade lembrava muito municípios como Cachoeira ou Bela Vista. Por algum motivo, entretanto, Santa Rita parecia ter estacionado em algum ponto dos anos 60 ou 70. A igreja conservava o interior original, mas a capela não existia. No início da Antônio Moreira, viu que o morro do cruzeiro também havia se transformado. As torres estavam instaladas, mas notou a ausência da cruz.

O jornalista tomou um táxi estacionado em frente aos velhos casarões da praça. Se tudo estivesse em seu lugar, o taxista seria o mesmo prefeito que os demoliu. Eles percorreram a cidade, seguiram por ruas sem calçamento, mas nosso correspondente não viu nenhuma das indústrias que transformaram Santa Rita na capital brasileira da tecnologia.
Quem poderia desvendar o mistério? Lembrou-se do Monsenhor. Ele sabia de tudo. Talvez pudesse ajudá-lo a entender o que fez da cidade um vilarejo perdido. Ele desceu a Francisco Moreira, tomou a rua da Maçonaria e chamou o lendário padre, que o atendeu no alpendre, metido em uma batina surrada.

– O que aconteceu com a cidade? – quis saber o jornalista.
– Não tem sido bem tratado? – respondeu o Monsenhor, sem compreender a pergunta descabida.
– Santa Rita está diferente! Parece estacionada no tempo! Onde está a escola de eletrônica? Onde está o Inatel? Tomei um susto quando avistei a João de Camargo e vi o prédio do Instituto!
– A cidade está como sempre esteve! – respondeu o sacerdote que, naquela altura, imaginava ter sido abordado por algum lunático disposto a alugar o seu ouvido. – Escola de Eletrônica? Eu não sei de escola alguma!
– A escola criada por Dona Sinhá, com a sua participação! – respondeu o impaciente jornalista.
– Meu rapaz… a filha do Coronel não criou escola alguma! Para dizer a verdade, ela nem viveu direito aqui!
– Você está dizendo que Sinhá Moreira não produziu nenhuma obra em Santa Rita?
– Não que eu saiba. Ela morou com o marido no Rio de Janeiro até o fim da vida. Só retornou para ser sepultada!

Nosso correspondente atinou que, por algum motivo, estava em uma realidade paralela. O tempo era o mesmo, mas algo havia acontecido. Naquele 21 de maio de 2016, Sinhá Moreira não tinha retornado para Santa Rita e suas perguntas botaram curiosidade no velho padre. “Quem seria aquele estranho rapaz?”

Se Sinhá Moreira não havia feito suas obras, tudo o que construiu afetou os anos seguintes. Caso tivesse caminhado pela Vista Alegre veria que o bonito bairro construído por ela fora substituído por um pomar. Não havia as casas, nem a gruta, muito menos a pracinha com a pequena fonte. Sem a ETE, o Inatel não existia. Também não havia FAI, nem o Colégio Tecnológico, muito menos as indústrias de tecnologia. “Quanta coisa mudou com uma decisão daquela mulher…” O fato de não ter retornado à sua terra provocou uma avalanche de pequenas catástrofes e o município estagnou. As maiores empresas eram a Cooperativa, o supermercado e o Correio. Os numerosos bancos, deram lugar a dois e seus moradores viviam do campo ou dos tímidos estabelecimentos que resistiam. Quem podia, ia embora. Os mais pobres deixavam a vida correr. “Isso precisa mudar!” – pensou o jovem. Quem sabe fosse preciso avançar algumas décadas para voltar em seguida. Talvez tudo voltasse a ser como antes. Não tinha escolha. Seria preciso arriscar.

(A história continua)

Por Carlos Romero Carneiro

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  • Belo texto Carlos, como sempre. Eu, sem ofensas, claro, sempre comento com clientes e amigos que, não fosse a Sinhá Moreira, teríamos hoje o tamanho talvez de Brasópolis, Delfim Moreira, ou outras de no máximo 20.000 habitantes.
    Viveríamos ao redor da Cooperativa, aos rumores do valor do café e do leite e do fraco comercio que a cidade teria. Não teríamos tantos bancos. Talvez nem tantos supermercados e os que tivéssemos não teriam se tornado tão grandes e fortes.
    Prédios talvez 1 ou 2, com um comércio embaixo do seu dono. Imobiliárias seriam poucas ou apenas 1. O Country ainda seria a sensação da cidade e a vida social se limitaria a tomar cerveja nos bares ou ir a Pouso Alegre.

    Como não teríamos estudantes, muitos que mudaram nossa cidade provavelmente não estariam aqui, morariam fora e viriam apenas para a festa. Ou outros talentos se perderiam em outras áreas, por não ter como saírem daqui.

    Fazendo uma simples alusão ao Efeito Borboleta, o que seria de nós se Sinhá Moreira se acomodasse em sua posição de filha de fazendeiro, casada e morando na Capital. Nada mais justo que o termo que sempre dão a ela: Uma mulher a frente de seu tempo.

    Quanto a mim, eu, nascido na roça em Bela Vista, querendo estudar eletrônica (por ouvir falar de Santa Rita), estaria por outro caminho, quem sabe.

    Grande abraço.

  • Belo texto Carlos, como sempre. Eu, sem ofensas, claro, sempre comento com clientes e amigos que, não fosse a Sinhá Moreira, teríamos hoje o tamanho talvez de Brasópolis, Delfim Moreira, ou outras de no máximo 20.000 habitantes.
    Viveríamos ao redor da Cooperativa e do fraco comercio que a cidade teria. Não teríamos tantos bancos. Talvez nem tantos supermercados e os que tivéssemos não teriam se tornado tão grandes e fortes.

    Como não teríamos estudantes, muitos que mudaram nossa cidade provavelmente não estariam aqui, morariam fora e viriam apenas para a festa. Ou outros talentos se perderiam em outras áreas, por não ter como saírem daqui.

    Fazendo uma simples alusão ao Efeito Borboleta, o que seria de nós se Sinhá Moreira se acomodasse em sua posição de filha de fazendeiro, casada e morando na Capital. Nada mais justo que o termo que sempre dão a ela: Uma mulher a frente de seu tempo.

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